Por Carlos Sena (*)
Dia de finados. Minha terra, Bom
Conselho, católica como é, reverencia sempre seus mortos de acordo com o
figurino litúrgico. Este ano de 2012 teve um diferencial muito forte e que fez
a diferença não só em relação ao cemitério, mas a toda comunidade
“papacaceira”: morre WALMIR SOARES, um dos maiores, senão o maior e melhor
prefeito da cidade. Quis o destino que um dos nossos baluartes, nascido num dia
sete de setembro, falecesse exatamente no dia de finados. Esse crivo de
independência ao nascer, de fato o acompanhou por toda vida. Walmir era desses
“matutos” que, sob a pecha de analfabeto, tal qual Lula (bem comparando), no
seu reduto de poder “paroquiano” se superou a si mesmo nos cargos que ocupou
desde vereador, prefeito duas vezes a deputado estadual. Walmir era meu amigo,
mas era de muitos senão de todos, pois como humano teve lá seus pecados,
acredito. Mas, não queremos saber dos seus pecados, pois, como católico que era
certamente não os acumulava, devia entrega-los todos em confissão ao pároco
local, ou não. Ele era assim, meio temperamental, mas o bom é que seus amigos
sabiam o que dele poderia vir de bom; seus possíveis inimigos (não sei se os
tinha) jamais saberiam ou avaliavam, principalmente, se estivesse em xeque sua
família ou sua terra natal – ele era surpreendente com quem não gostava.
Polêmico, leal, competente
administrador, dotou minha terra de coisas boas, inclusive um teatro meio
centro de convenções – o conhecido CUSCUZ que não sei por que está jogado às
traças. Por isso, certamente ele deve ter somado alguma tristeza!
Podemos até dizer que a nova cepa
de prefeitos tem nele um divisor de águas. Pra quem não sabe, ele foi paraninfo
da minha turma de SOCIÓLOGOS de 1976. No seu discurso, no salão azul do então
sofisticado hotel São Domingos, ele deu show de discurso. Bem dentro da sua
dimensão: direto, objetivo, curto, mas nunca grosso. Discurso realista que nos
deixou felizes, logo nós (Sociólogos) que tínhamos, na época, a pecha de
revolucionários e a fama de intelectuais herdada da equivocada Revolução de 31
de março de 64. Todos os colegas adoraram a fala dele e foram unânimes no
reconhecimento do talento administrativo de Walmir. Fiquei contente e
orgulhoso, até porque ele sempre foi amigo da nossa família antes, durante e
depois de importante homem público.
O enterro de Walmir,
coincidentemente, eu presenciei. Decidi, com a minha família, passar o feriado
de finados por lá. Infelizmente, veio a notícia do seu falecimento e, não
poderia seria diferente: fomos vê-lo passar carregado pelas mãos das pessoas
simples que um dia ele “carregou” não deixaram seu corpo ser levado no carro da
funerária. As ruas lotadas, um lúgubre toque de corneta acompanhava o cortejo
entremeado pelos instrumentos descompassados da banda de algum colégio da
cidade. No meu canto, vendo aquele amigo outrora tão poderoso seguir para sua
ultima morada, lembrei-me de tantos que, diferente de Walmir não são simples,
acham que não morrem e usam o poder em benefício próprio. Walmir, a esta
altura, está descansando em paz com sua consciência. Presentes no enterro a
atual prefeita Judite e o eleito, agora prefeito a partir de janeiro Danilo
Godoi. Da “corte” do estado não vi ninguém. Mas quando ele era forte e
poderoso, choviam babões em nossa terra para Walmir ajudar elegê-los. Pois é,
amigo Walmir, “rei morto”, literalmente! Rei posto não sabemos se tem, mas acho
que deve ter, pois a semente foi plantada pelas suas mãos, certamente. Para
mim, um conterrâneo contrito e que se mete a ser cronista, pode ser que os
diários políticos paroquianos tenham outras interpretações, mas, independente
disso, Walmir foi grande, inteiro, firme, “macho que nem guará”, como se diz
por lá.
No trajeto do enterro, ouvi
muitos sentimentos parecidos com o que delineio agora, mas houve uma surpresa
que adorei e que resume o perfil de Walmir, com todas as letras WALMIL SOARES
DA SILVA: ele, em vida, teria mando fazer o tumulo da família. Até aí, nenhuma
novidade, não fosse a sua “vala”, os seus sete palmos de terra, às avessas, ou
seja, VERTICAL. Procurei saber disso conversando com amigos e é verdade. Walmir
foi enterrado em “PÉ”. Achei digno isso. Era bem ele e seus rompantes de
dignidade e firmeza. Algo como “morrer em pé feito vela”, ou “nem morto” – como
que nos dizendo que nem a morte lhe derrubaria. Recado aos que não gostassem
dele? Não creio, até porque a grande maioria lhe tinha no coração. Recado a si
mesmo. Recado aos mais jovens que parecem perdidos diante de si e, desta forma,
talvez não tenham descoberto o prazer de ser bom e de se amar acima de todas as
coisas, como parece ter sido assim. Simbolicamente, nosso ex-prefeito está lá,
de pé. Certamente irão fazer algum busto seu em alguma praça da cidade.
Justíssima homenagem. Mas, sinceramente, gostaria que dessem seu nome ao
CUSCUZ, com uma condição: fazerem uma escultura dele corpo inteiro, de pé;
elevarem o recinto à dignidade da cultura da cidade que já foi conhecida como
cidade das escolas.
Certa feita, numa das andanças
pelas terras de Floripa, alguém dentro do ônibus da excursão teria perguntado
ao motorista pelo cemitério em que as pessoas se enterravam em pé. Ele disse
que já havíamos passado por ele. Mas, “por que esse cemitério foi feito assim”,
perguntou-se, de novo, ao motorista ao que ele respondeu: “Nesse cemitério só
se enterra quem não tem onde cair morto”. Ainda bem que nosso Walmir tinha e
sempre teve onde cair vivo. Mas, como quem nasce um dia morre, ele se foi.
Cumpriu sua missão muito bem. Só nos resta lhe dizer: “Walmir, descanse em
pé”...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 04/11/2012
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