Por Carlos Sena (*)
Nos meus tempos de colégio, no
interior, pude presenciar passagens interessantes. Jamais imaginava que um dia
eu as pudesse contar e torná-las públicas diante de terem sido inusitadas, mas,
verossímeis. Uma dessas histórias envolveu Sr. Ivo. Ele era uma pessoa da roça
que o diretor do meu colégio colocou como zelador. Seu Ivo foi morar no terreno
do próprio colégio como se diz na gíria: tinha de graça a comida, roupa lavada,
etc. Casado, com um filho, Seu Ivo era ignorante daqueles que só sabem o que é
um “O” porque toma café numa xícara. Ironia do destino: ele fora trabalhar
exato num centro que produz conhecimento, educação e, coitado, não tinha nem
uma coisa nem outra. O seu serviço era de limpeza e coisas do gênero. Fazia
também o papel de vigia, em função de que
residia na própria área fisica do Ginásio. Certamente não se proporcionou a ele
nenhum tipo de capacitação, mas, ele aprendia na tora o que era pra ser feito.
Fato é que Seu Ivo foi virando “pau pra toda obra”, embora sendo mais pau do
que obra. Um dos paus que levou foi quando foi chamado pra colocar uma lâmpada
no auditório. Trepou-se numa carteira e num tamborete que tinha sobre ela e,
com a lâmpada na mão e a outra livre, não teve dúvidas, colocou o dedo no bocal
em vez da lâmpada. Levou um sopapo tão grande que só não morreu porque não era
seu dia, até porque já era noite quando isto aconteceu.
No rol das suas pauladas, eis que
Seu Ivo, de novo, se mete numa fria. Fria e alcalina. Fria e gasosa. Fria e
preocupante. Dotado de pouco discernimento educacional, como já falamos,
disseram-lhe que para aquela sua azia constante era bom um comprimido de
Sonrisal. Não bastando ser fraco de feição, quis a natureza que ele fosse
também fraco de raciocínio prático. De posse do Sonrisal, bebeu o bicho a seco
empurrando-o de goela abaixo. Depois
pegou um copo d'agua e tentou
bebê-lo para ajudar o antiácido descer. O bicho ficou no meio da sua garganta
fervendo por conta da água e ele começou a se debater pelo chão. Sua esposa
correu e foi pedir ajuda, mas, quando as pessoas chegaram lá não sabiam o que
fazer. Sua esposa não sabia dizer o que foi, muito menos ele que não podia
falar. Saia fumaça pelos seus olhos, pela boca, talvez até pelo “fiofó” tenha
saído, porque o “bobônica” do Sonrisal não parava de ferver. Menos mal: o
comprimido foi se dissolvendo e, pouco a pouco ele foi criando vida nova, foi
ficando menos amarelo e seus olhos esbugalhados voltando ao normal. Ainda
cansado, já sentado, ele teve condições de contar essa odisseia produzida pela
sua ignorância. Talvez seu Ivo fosse daquelas pessoas que podem confundir
focinho de porco com tomada elétrica.
Quando concluímos nossos estudos
naquele saudoso Ginásio, seu Ivo continuava lá em seu trabalho. Um pouco mais
esperto, creio. Se ele teve um dia sua carteira de trabalho assinada não
sabemos, pois essa prática não existia como hoje. Uma coisa temos certeza: ele
fez mais um filho e, diferente da tomada de luz que colocou o dedo e quase
morreu com um choque, ele não errou o buraco de colocar a “chave que faz
menino”... A natureza ensina, os homens apenas encenam...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 29/09/2012
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