CEMITÉRIO DE SANTO AMARO - RECIFE (AMARO BOCÃO) |
Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho
Gabava-se de ter uma saúde de ferro. Nunca tinha
visitado um consultório médico nem hospital ou casa de saúde. O seu remédio era
uma pinga com limão e mel e depois lavada com alguns copos de cerveja. Quando
se falava do exame de próstata, dizia para todos, - eu lá sou “frango” para
outro homem botar o dedo no fiofó, não isto eu garanto vou morrer virgem - e acrescentava
- isto exame é para vocês. Cuidado para não ir todos os dias ao consultório se
não se vicia. Todos riam desta conversa que Esperdião não gostava de falar. Era
um adepto em assistir a Santa Missa na Igreja dos Militares na Rua Nova, nas
quartas feira e, na Basílica de Penha, as sexta feira, para receber a benção de
São Felix, às 10 horas. Falasse de tudo menos da religião – dizia – “deixe os
santos com a sua santidade e nós com os nossos pecados”, e acrescentava – se é
uma coisa que eu não gosto de discutir – religião, futebol e política – todos
já têm a sua opinião formada e a discussão trás muita das vezes grosseria, leva
ao desafeto, zanga e muitas das vezes até morte acontece, ria. Vamos jogar uma
porrinha! E assim a manhã na mesa do Bar Savoy continuava alegre, cada um
contando suas piadas e as suas estripulias, muitas das vezes “aumentando” o
fato. Lá prá tantas horas da tarde saímos para o A Portuguesa, na Rua Diário de
Pernambuco, completando a bebedeira no Largo da Encruzilhada, no Bar Salete. Os
dias se passavam sem que Alfredo aparecesse nos lugares onde costumávamos ir –
Bar Savoy, A Portuguesa, Bar do Gordo, Flor de Ouro, Bar do Mijo, Bar Estrela –
o que acontecera? Alfredo não era homem de ficar em casa e muito menos de
abandonar as amizades de bar. O tempo passa e numa manhã ensolarada, um calor
danado, o vai e vêm das pessoas pela Avenida Guararapes, e as buzinas dos
carros, as pessoas em pé esperando o ônibus e os gritos ensurdecedores dos
vendedores de pipocas e maçã vermelhinhas. Éramos servidos pelo garçom Careca, com
a seu terno de garçom, calça preta, paletó branco e a gravata borboleta preta
que trazia a cerveja bem geladinha. Enquanto
comentávamos algum assunto chegou o companheiro Maguary com a sua bolsa Zero sete
colocando na cadeira e dizendo – sabe quem está internado no Hospital Osvaldo
Cruz? O Alfredo! Encontrei ontem com a Dona Zuleide na Rua da Palma e ela me
contou que Alfredo começou há certo tempo com dores na bexiga, urinava a conta
gota, e como vocês já sabem, ele relutava ir ao médico, por qualquer doença –
dizia sempre – doença se cura com uma boa dose de Pitu e uma Antarctica bem
gelada e, ai o cara está curado – mas dessa vez ele se deu mal. As dores
aumentaram e ele se decidiu ir ao médico – Marcamos a consulta. No dia aprazado
chegamos ao Hospital por volta das seis e meia da manhã. Dezenas de pacientes
já se aglomeravam uns sentados outros em pé aguardando a chegada do médico. Não
sabíamos que enfermidade o Alfredo tinha. Sentia dores. Ele sentado em uma
cadeira, de vez em quando fazia uma careta – o que tu tens Alfredo? É uma
dorzinha que me incomoda bastante quando estou sentado, vou ficar de pé e,
assim fazia. Lá pelas dez horas entramos no consultório. Alfredo sentou-se em
frente ao medico e ele começou anotar em uma papeleta, os sintomas que o
paciente ia dizendo. Deitou em uma maca, apertou ali, apertou acolá, deitou de
bruços e frente, examinaram os olhos a boca e depois de olhos abaixados passou
alguns exames e assim que estivesse pronto voltasse. E assim procedeu. Fez os
exames laboratoriais e dentro de uma semana lá estava ele em frente ao médico.
Olhou e examinou e disse – o Senhor vai até um urologista para ele observar
estes exames. Alfredo já saiu
desapontado, tinha medo da doença e muito mais ainda de morrer, mas que já
estava no barco tinha agora que remar. Foi ao urologista, o medico depois de
examinar, disse o Senhor tem problema na próstata vamos medicar e com certeza
vamos ter fazer uma cirurgia. Alfredo embranqueceu, caiu-lhe um suor frio e uma
fraqueza nas pernas. Saiu cambaleando do consultório. Doido para ir embora
Maguary ainda o final da estória, Dona Zuleide completou – Se fez a cirurgia no
Hospital Barão de Lucena, mas foi constatado câncer de próstata. Foi uma gota
d’água. Deste dia em diante, começou a se despedir de todos. Lamentava-se
Deu-lhe um abatimento na vida. Não sorria e pouco falava. Certo dia disse a
todos – hoje vou tomar as minhas últimas cervejas com alguns amigos ouvindo o
que mais gosto às musicas de Nelson Gonçalves. E assim se fez. Alguns amigos
foram lá prá casa e com os olhos lacrimejando brindou a sua vida, ou melhor,
dizendo o final da vida. A doença era
incurável e o destino era Amaro Bocão, referindo-se ao Cemitério de Santo
Amaro. Agora esta no Hospital Osvaldo Cruz aguardando somente o chamado de
Deus. Já não existe mais esperança. Estou aqui na Rua, pois tinha um
compromisso. Vou comprar alguns remédios e voltar para casa. Até breve, se
despediu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário