Por Carlos Sena (*)
Num desses dias da criança
passados, em plena Lojas Americanas, deparei-me com a seguinte cena: um pai,
seu filho e sua esposa, de mãos dadas para comprar o presente do pimpolho por
ocasião do dia das crianças. Inesperadamente a criança para na frente de uma
bicicleta e vai logo dizendo que é aquela que ele queria. A mãe do garoto foi
logo dizendo que era muito cara e que o marido não tinha condições de comprar,
pois já estava com o salário todo comprometido. E acrescentou ao filho:
“contente-se com uma lembrancinha!” O garoto caiu no chão, gritou, saltitou no
chão, sempre gritando “eu quero minha bicicleta”! Aa esposa chegou perto do
marido e disse que ele nem inventasse de comprar, porque o dinheiro do
orçamento já estava comprometido. Surpresa: o pai pega na mão do filho, levanta
e chama o vendedor para perguntar até quantos pagamentos poderia ser dividido
no cartão. 12, respondeu o vendedor. A esposa, coitada, com cara de Songa monga
não soube nem o que dizer diante do que estava acontecendo nas suas fuças. O
seu marido, depois que, finalmente comprou a bicicleta em doze parcelas,
saiu-se com essa pérola: “eu quero dar ao meu filho tudo que não tive”... Como
se isto fosse possível!
Diante do que vi e ouvi (fiquei
numa posição estratégica e discreta), retirei-me pensando comigo acerca do que
significa “dar a um filho o que não teve quando criança”, conforme vociferou aquele
pai. No dialogo “entre mim e migo mesmo” eu cheguei a tristes conclusões:
1) Como tem pais por aí sem vocação!
2) Como tem pais por aí se deixando levar
pela educação patrocinada do
capitalismo selvagem!
3) Como tem pais por aí precisando aprender
que limite de filho se dá quando ele é criança!
4) Como tem pais por aí sendo o melhor
babaca do mundo se enganando como se os melhores pais fossem!
5) Como tem pais por aí só aguardando a hora
exata de se perguntarem (quando os filhos estiverem grandes) “onde foi que eu
errei”?
6) Como tem pais por aí sem entender que não
se pode dar aos filhos o que não se teve quando criança, porque o tempo do
filho é outro e os desafios deles também;
Se de mim eu ouvia o que enumerei
acima, de “migo mesmo”, reflito o que segue:
a) Filho é do mundo e os pais devem pô-los
lá com alguma segurança física e emocional e social;
b) A lição de que “é de pequeno que se torce
o pepino” nunca deve ser esquecida;
c) “Filhos? Melhor não tê-los, mas se não
tê-los como sabê-los?”, recorrendo ao poeta famoso;
d) Presente de dia da criança bem que
poderia ser um passeio ao parque, um cineminha educativo com pipoca e tudo de
direito, ou outra atividade aparentemente de somenos importância;
e) Presente nenhum! Refletir com a criança
acerca do presente que os pais representam para eles, ou coisa semelhantes;
f) Fazer do ano todo uma oportunidade para
que as crianças sejam livres e não cultivem preconceito e aprendam a respeitar
as diferenças, os mais velhos, os professores, etc.
Naquele ano eu confesso que saí
entristecido com a cena que vivenciei. Dez anos passados, recorro diante de
“mim e de migo mesmo” para me debelar sem novidades, exceto em agravos da mesma
questão. Os pais, em sua maioria, estão aí lotando lojas e gastando às vezes
além do salário para satisfazer caprichos de suas crianças. Algumas nem tão
assim, mais pra crionças do que crianças! Talvez um dia a gente possa entender
que os homens e mulheres pensem mais acerca da responsabilidade que é botar
filho no mundo. De uma coisa os filhos não tem que dar satisfações: eles não
pediram para nascer. De uma coisa os pais também não tem que dar satisfações:
eles não botaram filhos no mundo pensando em prosseguir a espécie humana na
terra, mas apenas e tão somente gozar gostoso numa noite de sexo e, depois, por
falta da camisinha ou por falta da tabela da “SUNAB”, eis que nasceu um filho,
outro, mais outro. Exagero? Pode ser, mas que se precisamos pensar direito antes
de botar filho no mundo, ah isto precisamos.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 11/10/2012
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