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domingo, 22 de maio de 2011

NÃO QUERO MORRER!




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho

Esta exclamação do amigo Douglas no leito do hospital ao abrir a porta para uma visita. Olhava-me com interrogação como se a minha resposta resolvesse o seu problema. Fiquei atônito mediante esta exclamação em forma de pergunta, partindo de um enfermo em desespero.

Ali fiquei parado racionando o que diria a aquele meu amigo de longas datas ali deitado em uma cama coberto com um lençol listrado por listas azuis e brancas. O tubo de soro pendurado pingava pingo a pingo lentamente escorrendo por uma mangueira de plástico fina e transparente com uma agulha presa em uma veia da mão direita. Olhava-me com um olhar suplicante com um sorriso de quem não acreditava na vida, mesmo assim lutava para viver. Pus a mão em sua mão, e eu não sei se era permitido esse gesto, mas senti uma mão fria e pálida. Olhei nos seus olhos, e notei pelo seu semblante a impaciência já tomando conta dele.  Aquele desconforto que proporciona ao paciente estava chegando à beira do desespero, assim ele se expressou. Esperava por uma milagrosa cura, ou por uma não morte lenta e sofrimento. Quando chegasse a hora fosse uma morte repentina. “Pau e bufe”, morreu.

Ainda, chocado com a pergunta inicial respondi e a única palavra que poderia proferir foi “Tenha fé em Deus” Todos nós passaremos por provações, pela doença, e por outras dificuldades que acontece na vida. E, quem não vai morrer? É verdade que um dia todos nós teremos que perecer e enfrentar o desafio da morte que é uma certeza. Mas não devemos pensar somente neste assunto e, sim no viver e viver bem o tempo que nos resta.

 É verdade, disse ele, é verdade, mas não desejo. Fechou os olhos umedecidos. E, disse – esta doença já estava anunciada há tempo, pois não me cuidei como deveria ter me cuidado. Antes de ser detectado pelo médico, que estava com começo de “cirrose” hepática motivado pela bebida, fez uma pausa, olhou para mim sentado ao seu lado, e disse, você sabe quanto nós bebemos e farreamos pelos bares da vida? Deu-me algumas restrições que não obedeci e continuei na vida de sempre de bar em bar. Veja agora o resultado. Estou em um hospital preste a morrer, é mole? Estou pagando o preço do descaso e por não ter obedecido. A gente pensa que é de ferro. Somente agora, já desenganado é que nós tomamos consciência de que somos feitos de dejetos e lama.

Não é verdade?

Claro que sim, respondi.

 Agora digo prá você o que mais me incomoda não é morrer é o que vou encontrar no desconhecido! O que vou encontrar com cerrar os olhos neste mundo, quando não ver a beleza do sol, da lua, do mar e os rios. Quando não sentir o vento assanhando os meus cabelos. E os verdes das arvores? E as flores com as suas multicores, arejando com o seu perfume os jardins nas praças? A musica, o baião, o bolero, a valsa, o samba, o frevo? Quando não ouvir o som do violão, do cavaquinho, do violino, do piano, do clarinete, do piston, do saxofone, do pandeiro, do surdo? Do passear pelas as avenidas, ruas e becos curtindo o casario de séculos passados. O eco das pisadas nas pedras do Pátio São Pedro. O por do sol parado no parapeito da Ponte Duarte Coelho? E o céu azul com as nuvens passeando de um lado para outro?  E o Carnaval? Os pombos nos na Praça de São Pedro, beliscando a pipoca que cai dos transeuntes?  Tudo isto e muito mais me dar tristeza e revolta. E o que mais me incomoda é não admirar mais a formosura de mulher e, ai o bicho pega, riu.

 Ouvia tudo atentamente. 

Continuou falando. Não dava brecha você falar ou argumentar. Ontem noite sozinho na penumbra deste quarto frio e esquisito, quarto de hospital é esquisito mesmo não é? 

Claro que sim! Ninguém gosta mesmo.

 Continuou como disse, o silencio deste quanto, somente ouvindo as passados no corredor das enfermeiras, principalmente nas madrugadas, vislumbrei, o meu morrer.

Foi assim.

Fechei os olhos e elevei meus pensamentos do que vai acontecer.

Não deves recordar isto! É muito fúnebre, bicho!

Engana-me que eu gosto, riu. Estou perdido. Dessa não saio, somente para o Santo Amaro, o santo do meu coração.

Ainda bem, não é, ri também.

Mas veja o meu sonho acordado. Foi assim.

Numa manhã fria eu encerro a minha vida aqui na terra. O medico constata a morte. Olha desconsolado, mas com o dever cumprido. Cobre-me com um lençol branco. Lá estou estirado aguardando ir para a pedra fria, somente agüenta aquele que morre, riu.  Dali em diante é tudo mais fácil. A família chega, uns chorando outros com cara de tristeza. Veste-me com um terno preto que se encontra no guarda roupa que vesti mais ou menos há vinte anos, no casamento da minha filha mais velha, Glória. Enche o caixão dos dois lados de flores amarela, é assim porque em uma brincadeira em casa com alguns amigos embaixo do pé de mangueira, tomando umas “biritas”, disse para a mulher “olha quando eu morrer quer rosas amarelas” à mulher repetiu “rosas são muito caras, vou colocar cravo de defunto” e disse sorrindo para mim deixa de besteira Douglas isto é conversa para quem está alegre com os amigos.  E, ai começa reza no velório. Quatro velas acesas um crucifixo na cabeceira e o meu rosto coberto por um véu, por causa das moscas que ficam sobrevoando. Os olhos semi-serradas, os ouvidos com dois tampões de algodão brancos e desta mesma formam o nariz, tanto para não ouvir as asneiras dos amigos e das pessoas que ali estão e também para não sentir o odor que já exala do meu corpo inerte. De vez em quando a mulher passa a mão no meu rosto. Não sei o que ela diz. Tudo isto eu estou vendo lá do alto, ninguém me vê, mas eu vejo todo mundo, se é assim que as pessoas acreditam. Lá para as quatro horas da tarde, vem o chororó, e tampa-se o caixão e as pessoas cantam “segura na mão de Deus e vai” e lá vou indo em cima de um carro empurrado por quatro pessoas e o coveiro compenetrado, com a colher de pedreiro na mão em frente do cotejo... Todos cantando. Terminada a cerimônia, todos se despedem e vão embora e eu lá fico esquecido...

Tu tens cada pensamento, Douglas? Por que pensar assim e, não pensar de sair deste leito e viver a vida.

É. Penso também, mas esta difícil, a primeira opção é a que vai chegar primeiro. Mas deixa isto prá lá. Tens visto o pessoal?

Quase ninguém. Todos sumiram como eu vou sumir daqui, ri.

Dê lembranças aqueles “desgraçados” diga que ainda estou vivo. Espero a visita deles se é que dê tempo.

Um abraço.

 Apertei a sua mão e, sai penalizado com aquele conversa fúnebre, que me atormentou... Disse para mim mesmo, se eu soubesse desta narrativa, não teria ido, mas...

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