“O vento no
laranjal brasileiro
Por Fernando
Gabeira
Saio do Brasil
por uma semana para visitar minha filha em Portugal. Mas saio apreensivo.
Coração na mão. Houve uma série de tragédias neste início de ano. Há muitas
coisas pendentes desses desastres. Como se não bastasse essa sensação de casa
velha caindo que o Brasil nos transmite hoje, há ainda uma crise política,
provocada pelo próprio governo.
Uma pena, porque
os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime
organizado. Os liberais levaram um chega pra lá no caso do leite. O governo
manteve restrições ao leite da Europa e Nova Zelândia. Falando de subsídios, a
ministra da Agricultura afirmou: o desmame não pode ser radical. No mundo
biológico, o desmame tem um momento de acontecer. Se deixar apenas pelo gosto
de algumas crianças, a coisa vai longe.
O plano de
Sergio Moro é voltado para mudar as leis, adaptá-las ao combate ao crime. Se
forem aplicadas com seriedade, vão levar mais presos às cadeias? O que faremos
com elas?
A última das
minhas escolhas em política é falar de intrigas palacianas e familiares. Mesmo
para contestar o ministro do Meio Ambiente, no caso do Chico Mendes, hesitei um
pouco. Tenho vontade de deixar tudo isso pra lá, seguir focado no que importa.
É tudo tão
subversivo para minha concepção de política que me sinto um pouco espécie em
extinção. No mundo que se foi, presidentes reuniam-se com ministros, acertavam
sua demissão e, em alguns casos, trocavam cartas diplomáticas de agradecimento
etc.
Hoje, são
demitidos pelo Twitter. Não é novo. Trump costuma usar esse método. Mas esse
estilo de fazer política representa mesmo um avanço?
No caso de
Bolsonaro, há um dado delicado. Ele divulgou uma gravação telefônica com um
ministro. Presidentes não punem primeiro nas redes sociais . Nem costumam
divulgar suas falas.
É um cochilo em
termos de segurança nacional. Mas é, sobretudo, uma falta de consideração. Se
houvesse alguma coisa a ser resolvida, deveria ter sido pessoalmente. Sem
humilhações públicas.
O poder, isso é
um lugar-comum, revela muito as pessoas. Sobretudo no princípio de governo,
quando ainda estão embaladas pelo voto popular e ainda não sofreram o desgaste
das limitações reais.
A tendência é um
excesso de autoconfiança. Mesmo entre os generais, que são uma força moderadora
e mais tranquila, às vezes surgem surpresas.
Na minha
concepção política, os governos, de um modo geral, ao saber que serão
criticados, apenas preparam-se para a defesa, que será proporcional às críticas
e suas repercussões.
O governo
brasileiro resolveu se antecipar às potenciais críticas que sofreria de bispos
de esquerda num sínodo sobre a Amazônia. Nesse movimento, ele trouxe as
atenções para as críticas que podem sair daí. O sínodo ainda não aconteceu.
Dizem que o celibato dos padres será um dos temas. Por que não esperar que
aconteça e reagir de acordo com os fatos reais?
Enfim, é tudo
tão perturbador para uma visão mais clássica. Governos minimizam críticas, não
criam um palco planetário para elas.
Um dado novo
também é a importância dos filhos de Bolsonaro nas crises políticas.
Como um
sobrevivente do século XX, impossível não levar em conta a intensidade da
relação pai e filho. Não usaria jamais a frase redutora: “Freud explica”.
Arriscaria apenas dizer que ele fornece algumas pistas.
O que me parece
fato neste momento é a intensidade emocional deste governo, as rivalidades, as
tramas, os ciúmes. A experiência mostra que existe um antídoto para as
veleidades pessoais: é a existência de um projeto comum, algo que nos
transcenda.
A retirada do
Brasil desta crise, as necessárias reformas, tudo isso deveria falar mais alto.
Mas não fala. A própria insegurança estrutural pela ausência de uma cultura de
precaução só aparece nas primeiras semanas pós-desastre.
Quando este
governo se instalou, dispus-me a ficar atento e, se necessário, fazer uma
crítica construtiva. Mas esse projeto se esvaziou um pouco. Daí minha
apreensão. Será preciso, em primeiro lugar, libertá-lo dessa tendência
autodestrutiva.
Tratem-se bem,
cuidem uns dos outros, vivemos num país quase em ruínas. Isso é o pressuposto
para trabalhar com a sociedade, levá-la para as mudanças que deseja.
Deixem, pelo
menos, a oposição trabalhar.”
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AGD
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