“Difícil não ser
caótico para descrever uma catástrofe.
Por Fernando
Gabeira
“O Rio? É doce/
A Vale? Amarga/ Ai, antes fosse/ Mais leve a carga” (Carlos Drummond de
Andrade).
Viajei triste
para Brumadinho. Estou cansado de desastres. Conheço até sua lógica: tristeza,
indignação, medidas urgentes para acalmar os ânimos e logo depois o
esquecimento.
A única forma de
suportar o que veria era levar a obra de Drummond na viagem. Ninguém melhor do
que ele descreveu as relações das mineradoras com a paisagem e mesmo com as
almas. Talvez seja o melhor caminho para entender toda essa história.
Drummond era ao
mesmo tempo a testemunha e o profeta. Morreu antes do desastre de Mariana, não
viveu a fase trágica que se completa agora com o desastre em Brumadinho. A
maneira como descreve Itabira é um desastre em câmera lenta.
Depois de
Mariana, passei a seguir o trilho da mineração. Cobri um vazamento de alumínio
nos igarapés de Barcarena, no Pará. Em seguida, o rompimento do mineroduto em
Santo Antônio do Grama.
Não foram em
barragens, onde se situa o maior perigo, sobretudo a do tipo de Mariana, que
deveria ser proibida. Era uma decorrência do desastre. Mas onde estavam governo
e Parlamento? Muito próximos da indústria, muito longe das pessoas e da
natureza.
Onde estava a
Justiça no caso de Mariana? Por que tão lenta? No ano passado, estive lá e nos
escombros comentei a decisão de um juiz de suspender o processo contra a
Samarco. Chicanas.
Tenho um pouco
de escrúpulo em dizer: isto não pode se repetir. As coisas se repetem tanto. O
presidente da Vale, Fabio Schvartsman, assumiu o cargo com o slogan “Mariana
nunca mais”. Agora, a Vale quer prometer Mariana e Brumadinho, nunca mais. É só
ir empurrando o nunca mais para o fim e acrescentando alguns nomes antes dele.
Lembra-me dos
trens italianos, rapido, molto rapido, rapidissimo .
Acreditamos
demais na palavras. O presidente da Vale estava na plateia em Davos quando o
presidente Bolsonaro afirmou que o Brasil é o país que mais protege o meio
ambiente no mundo. Falava apenas da relação das florestas com agricultura e
pecuária.
Isso é um
problema antigo com Bolsonaro. Ele teve a ideia de fundir o Ministério da
Agricultura com o do Meio Ambiente. Argumentei que o meio ambiente era mais
amplo, crise hídrica, saneamento básico, estendia-se até o licenciamento no
pré- sal.
A pressão de todos
os lados o fez recuar: manter o Ministério do Meio Ambiente. Mas, ao falar em
Davos, de novo ele abstraiu o meio ambiente e o reduziu à questão do campo.
Bolsonaro dizia
na campanha que o Ibama é uma indústria de multa. O Ibama não recebeu, por
exemplo, nenhum centavo da multa de R$ 250 milhões aplicada à Samarco. É uma
indústria completamente falida. Seus devedores não pagam.
Não vou
argumentar mais, o desastre fala por si: toneladas de lama, bombeiros
rastejando no barro fétido, uma vaca atolada, uma antena de TV flutuando, uma
caixa-d’água, o desespero das famílias. A sirene que não tocou, e a lama levou
os hóspedes da Nova Estância, a própria pousada foi arrastada. Eles tinham um
plano de fuga. E a sirene não tocou. Eram 34, ao que me consta. E mais um bebê
na barriga da mãe, mulher de um arquiteto brasileiro que vivia na Austrália e
veio conhecer Inhotim. E a sirene não tocou.
A resposta geral
do governo Bolsonaro foi rápida. Vem aí um Plano de Segurança das Barragens.
Faltou aparecer o responsável pela Agência Nacional de Mineração. Pode ser que
não tenha visto, estava no meio do desastre.
O que mais temo
no pós-desastre é o esquecimento. Triste como a música do Piazzolla “Oblivion”.
É um país se esquecendo de si próprio. Essa talvez seja a resposta para a
pergunta mais adequada. Por que o que não pode se repetir tem se repetido?
Esquecimento. Mas, pelo menos, a obra de Drummond lembrará para sempre as
origens do drama:
“Quantas
toneladas exportamos/ De ferro?/ Quantas lágrimas disfarçamos/ Sem berro?”
Nem tudo,
entretanto, será esquecimento. Trezentos e quarenta e oito pessoas soterradas
pela lama ficarão para sempre na memória das famílias, dos amigos, dos
bombeiros de vários pontos do Brasil, dos soldados israelenses, voluntários,
repórteres amadores, todos que se aproximaram física ou emocionalmente da
tragédia. Carregam na memória o capítulo trágico do testemunho poético de
Drummond.”
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AGD
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