“É só largar mão
de ser burro
Por Fernão Lara
Mesquita
É temporada de
chororô. Sempre que colhemos o que plantamos abre-se mais uma temporada de
chororô. Longos editoriais, comentaristas e autoridades com ar compungido
entremeando lamúrias com arrancos de “indignação”...
É tudo falso,
menos a dor!
Não há surpresa
alguma. Não há quem não estivesse esperando por mais essa. Nós somos o país das
reprises. Pelo lado da responsabilidade do Estado a tragédia de Brumadinho é o
de sempre: o poder político sem nenhum tipo de freio. Pelo da Vale, bis: o
poder econômico sem nenhum tipo de freio.
O que é esse mar
de misérias num país rico como o Brasil senão os governantes e “servidores
públicos” escrevendo suas próprias leis sem nenhum controle ou sanção, a salvo
dos mares de lama que põem para rolar e livres para empanturrar de benesses a
sua ganância? Pagamos os maiores impostos do mundo e falta tudo. Nada mata mais
que tsunami de privilégios...
E o que são
essas barragens da morte anunciada numa empresa com os números da Vale senão os
“governantes corporativos” escrevendo suas próprias leis sem nenhum controle ou
sanção, a salvo dos mares de lama que põem para rolar, livres para empanturrar
de “bônus” a sua cupidez?
“Barragens de
alteamento a montante” são o pior método de contenção de rejeitos, proibido em
toda parte porque é certo que uma hora estoura, como estourou Mariana. Quem não
sabia? Mas é o que convém a quem colhe bônus “cortando custos” custe o que
custar pros outros. E taí Brumadinho debaixo da lama.
Regimes de
repartição na previdência combinados com privilégios ilimitados para as corporações
estatais são o pior método de financiamento da previdência, proibido em toda
parte porque é certo que uma hora estoura. Quem não sabia? Mas é o que convém a
quem come como leão e contribui como passarinho. E taí o Brasil inteiro
enterrado na lama.
Mas haverá
chororô sobre tudo menos o que interessa: “É preciso políticos mais honestos”.
“É preciso empresários menos gananciosos”. Mas a democracia teve de ser
inventada precisamente porque não somos, deus do céu! Porque provamos e
comprovamos há milênios que não seremos nunca!
No tempo em que
vivíamos dos dentes caninos que ainda temos na boca só sobrevivia quem os
usasse sem qualquer hesitação. Hoje não precisamos mais disso, mas o relógio de
Darwin tem lá a sua velocidade. Aberto o caminho para a negociação política e
para uma economia com regras, continuamos sendo capazes de resistir à nossa
própria natureza se, e somente se, em vez da recompensa de sempre, impusermos
como certa a morte política e econômica a quem violar as novas regras pactuadas
pela civilização. É preciso enganar o nosso instinto de sobrevivência
programado para morder, que prevalece sempre. Reprogramá-lo na infalibilidade
da punição, coisa que só pode ser garantida se o gatilho que a desencadeia
estiver nas mãos das vítimas, e não nas dos autores de todo abuso de poder
político e de todo abuso de poder econômico: sua majestade, o povo, o único
lado insubornável (pelo menos não em segredo) dessas disputas entre grossos
interesses escusos.
“Mas o que é o
próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens
fossem anjos, não seria necessário governo algum. E se os homens fossem
governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem
internos”, grita-nos James Madison, lá de 1787…
Não gosta de
americano? Foi condicionado desde filhote a desligar o cérebro e ligar o fígado
sempre que ouvir falar neles? Jurou aos “companheiros” não adotar nada do que
venha deles, exceto a penicilina e o computador?
Seus problemas
acabaram!
Essa invenção
não é deles. Eles copiaram dos suíços, o único povo europeu que nunca teve rei,
o sistema de controle absoluto do aparato institucional de decisões pelo
eleitor, e não pela “otoridade” em cujas mãos tudo acaba virando comércio. E
foram, por sua vez, copiados por todos os libertados da servidão e da miséria
nos quatro quadrantes do planeta. O argumento indiscutível tem sido o do
resultado. Funciona pra todo mundo, não importa a cultura, não importa a
latitude. É só largar mão de ser burro. Tome a si mesmo como parâmetro. Você
trabalha todo dia e faz aquele sacrifício todo pelo engrandecimento da sua alma
imortal ou porque você tem um patrão e se não trabalhar direito e a favor da
empresa vai pra rua e não come mais? Então! Político e funcionário encarregado
de fiscalizar empresário é a mesma coisa. Bota patrão neles! Manda meia dúzia
pra rua amanhã, sem “afastamento” nem aposentadoria antecipada, e vê lá se não
muda tudo daí pra frente!
Esta nossa
servidão é voluntária. 16,38% passam em três minutos. Segurança de barragem não
passa nem em três anos, morra quem morrer. Mas nós insistimos. Exigimos dos
marajás que nos sugam e dos juízes que não julgam, esses que vivem nos dando
provas da sua “sabedoria” e da sua “ilustração”, que regulamentem e travem tudo
ainda mais, que nomeiem mais fiscais achacadores, que baixem mais leis para
enquadrar o povo, e não para enquadrar o governo, porque o “povo ignorante” é
que é o perigo, não sabe nem o que é bom pra ele, foi-nos ensinado.
A impunidade é
uma cadeia que começa (e só pode ser rompida) com a imputabilidade do primeiro
elo. Quanto mais instável for o emprego deles todos, mais estável será o País e
a obra do seu povo. E vice-versa o contrário. República é representação. Nelas
é o povo que faz a lei e os governos é que obedecem. Mas a brasileira está
solta no ar. Existe só para si mesma. Não enraíza no país real. Não é o eleitor
que manda nela. Todas as hierarquias estão invertidas.
Das violências
impunes à roubalheira generalizada, nada vai mudar enquanto o gatilho de todas
as armas - as institucionais, não as que matam só uma pessoa por vez - não
estiver nas mãos do povo. Retomada de mandatos, leis de iniciativa popular,
veto popular às leis dos legislativos, eleição de retenção de juízes. Ponha-se
o povo mandando e veremos todo mundo jogar para o time.
Fora daí é a
lama.”
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AGD
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