“A hora dos
profissionais
Por William
Waack
Pode-se gostar
ou não do governo Bolsonaro, mas é difícil negar que ao se iniciar, de fato, na
segunda-feira passada, pretendeu ir de frente à questão. Ela se chama crime e
dívida – separadas de maneira artificial, pois são, na verdade, uma coisa só.
Crise fiscal e crise social são duas expressões distintas para o mesmo
fenômeno: a incapacidade do poder público de controlar a si mesmo (gastos, mas
não só) e de dirigir-se a uma pavorosa taxa de criminalidade.
Os detalhes do
pacote anticrime já foram esmiuçados no noticiário enquanto os da reforma da
Previdência ainda são confusos, e os dados da realidade impõe que ambas
iniciativas sejam tratadas do ponto de vista político simultaneamente, e com
urgência. Nesse sentido, é relevante a advertência feita pelo presidente da
Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, segundo o qual “a pauta de costumes vem
depois da Previdência”.
O que Maia está
dizendo enfurece os entusiasmados bolsonaristas: atuação política não pode ser
apenas função de atender à ideologia, cujas propostas ou utopias mais amplas
por definição (se os bolsonaristas não aprenderam com o PT está mais do que na
hora) nunca são realizadas, nunca se chega à terra do amanhã. No plano dos
fatos na instância legislativa o momento é favorável se o governo agir depressa,
enquanto a gravidade da crise de segurança empurra os governadores (e seus
chefes de polícia) para algum tipo de entendimento, cientes de que não dá para
protelar.
Este é
visivelmente o conflito estratégico mais difícil para o governo no momento, e
que está escancarado para o público nas trocas de farpas entre as várias alas
concorrendo pelas atenções do presidente. Em resumo, o problema consiste em
deixar para depois uma “revolução dos costumes” que, na interpretação do
círculo íntimo do presidente, e alguns de seus expoentes intelectuais, é o que
explicaria em primeiro lugar a vitória eleitoral. E concentrar-se com foco
total nas articulações necessárias para a aprovação de pacotes de mudanças de
legislação que terão, aos olhos dos ideólogos próximos de Bolsonaro, um
indisfarçável ranço da “velha política” que pretendem já ter eliminado – uma
perigosa ilusão.
Há sempre lições
interessantes na História para agentes políticos que acham que ninguém contém
seu ímpeto, como são os bolsonaristas. Os bolchevistas descobriram já em 1917
que nenhuma máquina militar (da qual precisavam para sobreviver) funcionaria
sem os oficiais czaristas, ou seja, necessitavam dos profissionais para levar
adiante sua agenda de transformação política. O vice-presidente Mourão anda
empolgado com a série Trotsky da Netflix, que retrata bem esse episódio (os
revolucionários islâmicos de Khomeini libertaram da cadeia os pilotos de F-4
que eles mesmos haviam encarcerado quando Saddam Hussein atacou o Irã, e
precisavam rapidamente de uma força aérea).
Sem a tal “velha
política”, entendida como a atuação de operadores no Congresso (Câmara e
Senado) dificilmente o governo leva adiante esse prometido ataque frontal ao
crime e à dívida, sob os quais o País está esmagado. São as questões cujo maior
ou menor capacidade do governo em tratá-las de forma consequente (dada da
gravidade dessa grande crise, é difícil usar o verbo “resolver”) será a
verdadeira medida do sucesso. E de sua própria sobrevivência, palavra aqui
entendida como a de um governo que mereça esse nome.”
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AGD
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