“A imprensa e
Bolsonaro
Por Carlos
Alberto Di Franco
Bolsonaro não
gosta da imprensa. Acredita, equivocadamente, que as redes sociais são a bola
da vez. Não percebe que agenda pública continua sendo determinada pelas
empresas jornalísticas tradicionais. O que você conversa com os amigos, goste
ou não, foi sussurrado por uma pauta de jornal. As redes sociais reverberam,
multiplicam. Mas o pontapé inicial é dado por um repórter. Bolsonaro precisa
conversar com a mídia. As críticas aos governantes, mesmo injustas, fazem parte
do jogo. Não é possível recriar uma versão indesejável do “nós contra eles”.
Não é bom para o País.
Mas a imprensa,
reconheçamos, está uma arara com o estilo agressivo do presidente, sobretudo
dos seus filhos. Por isso tem sido exagerada e superficial no seu olhar crítico
a um governo que está dando os primeiros passos. Um governo só pode ser
avaliado depois que se constate se as coisas melhoraram ou pioraram em
consequência das decisões que pôs em prática. É necessário superar o clima de
briga de adolescentes e encontrar o ponto de equilíbrio: respeito e
independência.
Governo e
imprensa não podem ter uma relação promíscua. É salutar certa tensão entre as
instituições. Mas precisam conversar. São peças essenciais da estrutura
democrática. Espero que Bolsonaro desça do palanque e assuma o papel de
presidente de todos os brasileiros. Espero, também, que nós, jornalistas,
deponhamos as armas da militância e façamos jornalismo.
Jornalismo é a
busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O jornalismo
transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou
partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua
opinião. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa
e transparente coerência.
A ferramenta de
trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um
ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável
desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e
contar a verdade.
Outra coisa, bem
diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional suspicaz não tem “olhos
de ver”. Não admite que possam existir decência, retidão, bondade. Tudo passa
por um crivo negativo que se traduz numa incapacidade crescente de elogiar o
que deu certo. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico.
Basta ser honrado, trabalhador, independente.
A fórmula de um
bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção e dúvida. A candura,
num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à
sociedade. Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo de quem sabe “o
preço de cada coisa e o valor de coisa alguma”. O repórter, observador diário
da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém
renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. Todos os dias. O coração do
repórter deve pulsar em cada matéria.
Alguns desvios
podem comprometer o resultado final do trabalho. A precipitação é um vírus que
ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada
e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta
apuração rigorosa. O poder público tem notável capacidade de pautar jornais.
Fonte de governo é importante, mas não é a única. O jornalismo de registro,
pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira
dimensão do País real. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas
histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir do show
político e fazer a opção pela informação que realmente conta. Só assim, com
didatismo e equilíbrio, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
O culto à
frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do
problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. E o dogma do
politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só
se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O
verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez,
mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de
informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de
nossas idiossincrasias.
Registremos,
ademais, os perigos do jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da
imprensa são evidentes. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas
perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta
investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se
de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade.
O esforço de
isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma
imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia.
Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo
de marketing político e mais consistência.
Finalmente, precisamos
ter transparência no reconhecimento de nossos equívocos. Uma imprensa ética
sabe reconhecer os seus erros. As palavras podem informar corretamente,
denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar
reputações, destruir patrimônios, desinformar. Confessar um erro de português
ou uma troca de legendas é fácil. Porém admitir a prática de atitudes de
prejulgamento, de manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige
coragem moral. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da
qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.
A força de uma
publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não
combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo
e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer
informação substantiva.”
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AGD
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