“Um Choque de
visões
POR MERVAL
PEREIRA
Mais uma vez o
Supremo Tribunal Federal explicitou uma disputa interna entre dois grupos com
visões distintas do que seja a aplicação do Direito. Uma divisão quase
filosófica. O julgamento do habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci acabou
mais uma vez em 6 a 5, com a presidente Carmem Lucia desempatando, e o que
estava em jogo era justamente uma visão chamada garantista, que coloca o
instrumento do habeas corpus como símbolo da liberdade individual, e a dos
consequencialistas, que, sem desmerecer a importância do habeas corpus,
consideram que ele não pode ser utilizado para interromper um processo, ou
favorecer um condenado a sair da prisão quando isso pode representar um perigo
à ordem pública.
Houve ontem uma
discussão que reflete bem essas visões de mundo em conflito. O ministro Marco
Aurélio disse que o tempo excessivo da prisão provisória de Palocci, cerca de
um ano e meio, já era por si só uma razão para dar-se o habeas corpus.
O relator Edson
Facchin rebateu a tese, mostrando que os fatos que basearam a prisão, a
complexidade do processo, com inúmeras testemunhas espalhadas pelo país, e uma
condenação no meio tempo justificavam plenamente o período que o ministro
Gilmar Mendes chama de “alongado” das prisões provisórias da Operação Lava
Jato.
O próprio
Gilmar hoje, corroborando com o jargão que o ministro Marco Aurélio cunhou
–“tempos estranhos”- disse, às vezes até mesmo emocionado, que se estava
criando um novo Direito no país, o Direito de Curitiba, que não respeita os
direitos dos acusados e favorece o desrespeito ao devido processo legal.
Além de criar
condições para práticas corruptas a pretexto de combater a corrupção, citando
casos de procuradores envolvidos em acusações de negócios escusos. Outros
rebatem que há uma nova ordem querendo surgir no país, e uma velha ordem que
resiste com valores e práticas antigas, que não funcionam.
Esta nova ordem
corresponderia a uma imensa demanda da sociedade, por integridade, idealismo,
patriotismo, uma energia muito explícita nas ruas. A crítica de Gilmar Mendes
mais uma vez foi também contra o que chama de “imprensa opressiva”, e em todos
os votos recentes ele defende que um Juiz, especialmente do Supremo, não pode
se deixar pressionar pela opinião pública, ou opinião publicada como gosta de
dizer.
Os
consequencialistas já vêem a questão de outro modo: um Juiz não deve decidir de
acordo com o clamor público, muito menos em processo criminal, o que não quer
dizer que um tribunal constitucional não deva ser capaz de interpretar o
sentimento da sociedade e se alinhar a ele sempre que isso seja compatível com
a Constituição.
O papel contramajoritário do Supremo, que os
garantistas defendem, seria importante nessa outra visão, mas é usado no mundo
inteiro muito raramente. O normal é que as decisões da Suprema Corte
correspondam aos anseios da sociedade, porque os juízes vêm dessa sociedade e
interagem com a população em diversos níveis de contato e incorporam o
sentimento do meio social em que vivem.
Nessa
perspectiva, o Tribunal se capitaliza porque ele é capaz de interpretar o
sentimento da sociedade, e quando tem que ser contramajoritário, tem
credibilidade. Na disputa aberta entre esses dois grupos, o ministro Marco
Aurélio Mello deu indiretas para a Procuradora-Geral da República, Raquel
Dodge, e para o colega Luis Roberto Barroso, lamentando que se vá para o
exterior dizer que a Justiça brasileira é seletiva, o que os dois afirmaram em
seminários internacionais.
O fato é que
plenário está dividido filosoficamente em relação à aplicação do Direito, uma
divisão exacerbada pela Operação Lava Jato. É mais explícita do que em qualquer
outro tempo, os consequencialistas, pragmáticos no sentido não pejorativo do
termo, querem julgar com base nos fatos, e não em teses idealistas. Não se
apegam ferrenhamente a textos literais que podem significar a impunidade, como
no caso da disputa entre a prisão em segunda instância e o trânsito em julgado.”
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AGD
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