“O bloco da
saudade
Por Fernando
Gabeira
O verão está no
fim. Sinto pela temperatura da água, pelos ventos mais frios. Na Europa,
segundo Hermann Hesse, há verão que tem morte súbita: uma trovoada, dias de
chuva e ele não volta mais.
Não é adequado
falar das estações do ano numa página de política. Elas nos remetem à passagem
do tempo, aos lances da vida passada, e só servem para ressaltar a tristeza do
momento no Brasil.
Caminhamos para
uma eleição imprevisível não apenas por causa das pessoas que a disputam, mas
também pela falta de dados sobre o que farão, caso cheguem ao poder.
Fica difícil
olhar para a frente. A questão da impunidade não foi resolvida porque há um
forte núcleo de resistência no STF.
Os ministros
desse núcleo não consideram o caso encerrado, pelo contrário, estão dispostos a
uma luta permanente, a uma guerrilha técnica para soltar os que estão presos e
impedir a prisão dos que ainda estão na rua.
Lewandowski e
Toffoli são simpáticos ao PT e desprezam a luta contra a corrupção, talvez pela
própria análise da esquerda que a considera um fato de pé de página nos livros
de história.
Gilmar Mendes
não tinha essa posição, mas ao longo desses anos tornou-se um grande adversário
da Lava-Jato. Na sua fúria, ele se identifica com a esquerda na medida em que
quer soltar os que estão presos e, se possível, prender juízes e procuradores.
Juntam-se a
eles Marco Aurélio e Celso de Mello, que parecem comprometidos com uma generosa
tese jurídica e pouco se importam com suas consequências catastróficas na vida
real brasileira.
Não vou repetir
o mantra de que a sociedade está dividida: este mito é um bálsamo para as
minorias. A sociedade apoia maciçamente a Lava-Jato e quer punição para os
culpados.
Mas o que pode
a sociedade contra eles? No seu delírio de mil e uma noites na Al Jazeera,
Gleisi Hoffmann disse que a imprensa manda no Supremo. Sabemos que não é assim.
A imprensa reflete um clamor social contra a impunidade. O próprio comandante
do Exército se viu obrigado a manifestar sua opinião sobre o tema,
possivelmente por sentir que o clamor também chega às suas tropas.
Mas falta a
dimensão política. O sistema partidário adotou uma posição defensiva. Todas as
suas energias se voltam para neutralizar a Lava-Jato. Objetivamente, joga suas
esperanças nas tramas do núcleo resistente do Supremo.
Essas duas
forças, o sistema político partidário (nos bastidores) e o núcleo do STF (na
frente da cena) são os artífices da tentativa de bloquear as mudanças no
Brasil.
Nem sempre os
políticos atuam apenas nos bastidores. De vez em quando, como aconteceu agora,
surge um projeto destinado a limitar investigações e a tornar mais fácil a vida
dos gestores corruptos.
Essa aliança de
políticos que não dependem do voto de opinião com ministros do STF engajados na
defesa da impunidade, ou embriagados nas suas teses generosas, é uma
constelação difícil de ser batida.
Ela significa
que ainda teremos dias difíceis pela frente. O único grande problema para todos
nós será o de manter a raiva popular dentro dos limites pacíficos.
Tanto juízes
como políticos envolvidos na sua teia de interesses, míopes diante da realidade
que os cerca, não hesitam em colocar em risco a democracia.
Alguns são
muito corajosos, outros apenas irresponsáveis. Será difícil buscar o horizonte,
se não resolvermos essa questão. Ela está atravessada no futuro imediato do
Brasil.”
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AGD
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