“Nasceu o novo
Brasil
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
O parto foi
doloroso e cheio de complicações, mas aqui estamos. É o fim do nosso longo e
penoso exílio no século 17. O ato fundador de toda república, desde a primeira
da era moderna, é declarar o rei “under god” e “under the law” como fez Edward
Coke, juiz supremo da Inglaterra a James I dos Stuart em 1605. São mais de 400
anos de atraso e vimos de avanços e recuos exasperantes no ensaio dessa
decisão, mas é esse o jeito de andar da História. Esta última foi uma briga
ostensivamente comprada pelo passado e vencida pelo futuro em batalhas
sucessivas de que toda a Nação participou malgrado os sacrifícios exigidos.
Trata-se de uma inequívoca escolha. O marco, agora, está solidamente plantado
pela mão da maioria.
Resolvida a
questão da definição do regime, o País pode, finalmente, olhar só para a
frente. A obra monumental do PT foi a montagem do sistema de exploração
colonialista do Estado para sustentar um projeto de poder. A reconstituição da
moral nacional que essa construção exigiu engata já a segunda marcha, marcado
que está o caminho aberto pelo desbravador de Curitiba. A operação física da
desocupação do Estado num país reduzido à miséria e empurrado para além do
limiar da conflagração ainda exigirá, é verdade, um esforço tremendo. Mas se
dermos aos demais arranjos do passado que, por todo lado, impõem-se ainda ao
País pela força do costume ou pela força da intimidação para bloquear o caminho
das reformas o mesmo remédio da lei feita soberana e igual para todos com que
cortamos a cabeça mais alta da hidra, o resto acontece naturalmente.
Teremos de
aprender democracia, mas felizmente não será necessário inventá-la do zero. O
caminho está consolidado. Havendo um mínimo de humildade e vontade de aprender
é uma estrada batida que pode ser percorrida com razoável velocidade e
baixíssimo risco de acidentes. Será mais pela vontade que pelo tempo investido
que seremos capazes de consertar nossas leis defeituosas, de definir os limites
de cada instância de governo, de ajustar a estrutura e o alcance de cada
instância da Justiça mais adequados a uma República de extensão continental.
Não ha aí nenhum segredo. Todos os caminhos já foram experimentados; todos os
atalhos já foram percorridos e mostraram onde vão dar. Os erros em que
insistimos não são consequência do desconhecimento de opções melhores nem de
enganos bem-intencionados. Persevera-se neles porque foram deliberadamente
produzidos para criar os privilégios aos quais os privilegiados tratam agora
desesperadamente de se aferrar.
A chave do
sucesso será não propriamente o reconhecimento da natureza da doença que não há
brasileiro que não saiba exatamente qual é, mas a superação do tabu de
pronunciar o nome dela em voz alta. Não é o enfrentamento do grande privilégio,
é a socialização do pequeno feito moeda para comprar poder e silêncios que
ainda nos amarra as pernas. As relações de parentesco que tornam pouco nítidas
as fronteiras entre a classe média meritocrática regida pelas exigências da
modernidade e a outra gestada na toca do “concursismo”. Nessas instâncias
“vocais” da sociedade que dispõem das reservas mínimas de gorduras que a
iniciativa política requer, a mentira prevalece não mais porque convença quem
quer que seja, mas porque ainda interessa a muitos abrir-lhe alas. O Brasil não
tem conseguido reformar-se não exatamente porque não saiba como fazê-lo, mas
porque essas duas classes médias que se interpenetram hesitam em propor-se a
tanto. Disputam o controle do “sistema”, mais que o condenam.
Para reformar
“o sistema” é preciso antes de mais nada denunciá-lo formalmente como
irremediavelmente defeituoso e pactuar a suspensão do aparato de
autopreservação montado em torno dele para barrar e reverter reformas. É
preciso, em resumo, inverter o sentido do vetor primário das forças que atuam
sobre o sistema. Entregá-lo de fato a quem detém a função constitucional de
legitimá-lo.
A força da
necessidade joga a favor do melhor desta vez. O Brasil da “retórica vazia”,
assim como o da “narrativa” prevalecendo sobre o fato, está morto e sabe disso.
Não cabe mais na conta. Esgotou-se no seu próprio paroxismo. A “guerra”
prometida pelo PT já está nas ruas, mas não sob o comando dele. O que resta de
melhor no partido vai integrar-se à nova ordem e o resto, como em toda a parte,
vai embeber-se oficialmente no crime. Também nós, já está claro, teremos de
conviver com a nossa cepa do “narco-socialismo” crônico.
A reforma
sindical e a prisão na 2.ª instância serão lembradas no futuro como os marcos
da virada do Brasil da conta negativa em direção ao Zero. O marco do ingresso
na conta positiva será a reforma da Previdência que vem montada na igualdade
perante a lei, antessala da meritocracia no serviço público. Esta última será a
mãe de todas as batalhas que custará, como já tem custado, o peso exato dos
sacrifícios de que a situação atual dispensa a privilegiatura. Imposta pela
força irresistível da necessidade, é ela que vai nos transportar para o limiar
do século 20.
Eventualmente
saltaremos de lá para a tomada do poder pelos eleitores com a instituição do
recall, do referendo, da iniciativa e das eleições de retenção de juízes num
contexto de real representação da sociedade proporcionada pelo voto distrital
puro, no qual os funcionários, os representantes eleitos e os servidores
públicos passam a ser apenas isso, ou seja, brasileiros especiais por não
terem, para além da escolha da sua função de representação, o mesmo direito dos
aqui de fora a uma vontade e a uma existência próprias totalmente privadas e
indevassáveis para poderem, mesmo montados nos Poderes do Estado, estar
permanentemente sujeitos à avaliação e ao encurtamento de mandatos e proventos
como todos os outros trabalhadores.
Democracia,
enfim!
A partir daí,
finalmente embarcados no 3.º Milênio, tudo se tornará possível. Será a vez de o
Brasil candidatar-se a dono do mundo.”
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AGD
comenta:
O texto
acima, do Fernão Lara Mesquita, parece muito rebuscado, mas não é. Ele simplesmente
diz, e sem falar o seu nome, que a prisão do Lula é um marco civilizatório para
o Brasil.
Vai
além para mostrar que o Brasil agora é um país viável, desde que, reformas na
área política e econômica são essenciais para tirar de oligarquia caquética o
poder e entregá-lo verdadeiramente ao povo, através de mecanismos a nós
desconhecidos como o voto distrital puro, iniciativa de leis e “recall” para
todos os cargos, inclusive do judiciário.
Pensem
se o Gilmar Mendes fosse submetido a uma eleição (o que no fundo é o “recall”)
se ele seria reeleito. Há muito tempo já teríamos mudado a composição do STF por
falta de apoio popular. Dizem que isto é feito indiretamente pelos presidentes,
mas, para quem passou por tantos problemas nas indicações, onde se ver mais a
política do que o mérito, só podemos esperar modificações.
Isto
deveria ser extensível aos outros poderes, e, aí sim, poderíamos ter uma
democracia representativa com o respaldo popular, sem os apelos da democracia
direta que é um engodo para o povo.
Em
suma, apesar de respirarmos mais livres com o Lula preso, ele ainda deixou
muitas sequelas que deverão ser sanadas.
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