“A verdade dos
fatos contra lorotas no STF
POR JOSÉ
NÊUMANNE
Há quem maldiga
a exposição das sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF) –
televisionadas pela TV Justiça e retransmitidas pelas emissoras de all news na
íntegra e com trechos em canais abertos – como uma violação da discrição, que
se deveria sobrepor à exibição sem pudor da Justiça. Mas, com a relevância das
decisões tomadas nessas sessões, a transparência de debates e votos de seus
membros é gênero de primeira necessidade na democracia brasileira. O que não
quer dizer que seus componentes não se devam resguardar com um mínimo de pudor,
nem sempre praticado como teria de sê-lo.
À exceção de
Rosa Weber, que não se expõe além dos votos que profere na chamada Suprema
Corte, seus dez colegas – uns mais, outros menos, reconheçamos – reclamam do
excesso de trabalho interno, mas fazem palestras bem remuneradas e tocam
negócios afortunados, apesar de receberem vencimentos usados como teto no
serviço público. Incluindo aí o presidente da República. Nessas ocasiões
públicas, não se eximem de proclamar seus pontos de vista, antecipando-se a
votos futuros, nem sempre coerentes com decisões pretéritas. Da mesma forma,
frequentam convescotes aos quais comparecem advogados de réus de causas em
julgamento, abrindo-lhes as portas de seus gabinetes e até elogiando-os em suas
perorações.
Com o fito de
desqualificar agentes, procuradores e juízes federais de primeira e segunda
instâncias, fiel à sua pose de rei de Roma, o ministro Gilmar Mendes, por
exemplo, definiu o ex-deputado José Roberto Batochio, do PDT, como vítima de
assédio moral desses colegas dele da Justiça. A citação não foi apenas
imprópria, mas também falsa. Na verdade, o “jurista”, citado como mártir, havia
abandonado a defesa do condenado Antônio Palocci porque este queria fazer
delação premiada, contra a vontade do seu defensor. Na ocasião, o mesmo
ministro acusou seus atuais inimigos de ocasião de corrupção e práticas de
tortura. usuais na ditadura.
Para apoiar
suas diatribes, Sua Excelência, que se diz “supremo”, adotando o título da
instituição, recorreu a uma conclusão não confirmada pelos fatos. Na acusação
furiosa ao instituto usado em democracias mais sólidas e antigas do que a
nossa, acusou juízes, procuradores e policiais de prenderem acusados para deles
arrancarem confissões. Segundo dados da Lava Jato, porém, 84% das delações
premiadas foram obtidas pela operação de cidadãos livres.
No caso, mentiu
o ministro ou mente a força-tarefa. Qualquer das hipóteses é gravíssima e
merece reparação. Contra o ministro pesa, além de acusar e ofender sem
apresentar provas, indiscrição sobre a vida amorosa de seus desafetos.
Na troca de
gentilezas entre ministros soit-disant garantistas e advogados de réus
abonados, Ricardo Lewandowski chegou a elogiar o francês do citado dublê de
advogado e político Batochio, que cometeu pelo menos um erro grave em citação
que fez do advogado de Luís XVI, Malesherbes. Em três linhas, o pedetista citou
um verbo inexistente, “prener”, quando deveria ter usado prendre. Vovó diria
que “ele poderia ter dormido sem essa”.
Tudo isso,
porém, não passa de lana caprina se comparado à frequência do citado Mendes em
ágapes de Temer, investigado pela terceira vez em cabeludas suspeitas sobre a
autoria de um decreto de concessões para operar no Porto de Santos. Uma das
empresas beneficiadas, a Libra, deve R$ 2,7 bilhões à estatal que administra o
terminal. E ainda usufrui o privilégio de não ter a dívida cobrada, mas tornada
objeto de uma arbitragem sem fim, por mercê de medida provisória anterior, que,
de acordo com o Ministério Público Federal, foi inspirada pelo próprio Temer e
por Eduardo Cunha. Os mesmos acusadores garantem que a empresa doou R$ 1 milhão
ao partido do presidente, proibido por lei de aceitar doações de
concessionários.
Menos ético
ainda é o lobby que o Partido dos Trabalhadores (PT) e o presidente têm feito
para mudar a jurisprudência, fixada em 2016, autorizando prisão após segundo
instância, conforme reportagem publicada sexta-feira 13 de abril neste jornal,
da lavra de Andreza Matais e Ricardo Galhardo.
O pior é que a
notícia do acordão foi confirmada na ocasião pelo presidente do PT e seu
candidato ao governo de São Paulo, Luiz Marinho, em entrevista à Rádio
Eldorado. Este reconheceu que, na companhia de Gilberto Carvalho – o
“seminarista” da lista de propinas da empreiteira Odebrecht (pivô do escândalo
de corrupção que levou o ex-presidente do Peru Pedro Pablo Kucynski a deixar o
governo) –, visitou os ministros do STF Gilmar Mendes (sempre ele!) e Alexandre
de Moraes para recomendar a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão
pós-segunda instância. Contou ainda que estabeleceram esse “diálogo” para
impedir que Jair Bolsonaro ganhe a eleição presidencial.
Deus do céu! O
PT, que insiste em apresentar como candidato o presidiário mais popular do
Brasil, condenado em primeira e segunda instâncias e com habeas corpus negados
por unanimidade no Superior Tribunal de Justiça e por maioria no STF , apela
para o tapetão para impedir que o povo eleja quem quiser presidente. Se o
ministro Mendes se assusta tanto com o fantasma do Ato Institucional n.º 5
(AI-5) dos militares, não seria o caso de ter alertado seus interlocutores
sobre a natureza autoritária de sua proposta infame? Só que, naquela ocasião, o
Estado noticiou que Mendes visitara Temer para lhe propor nomear Alexandre de
Moraes ministro da Defesa e, assim, abrir vaga no STF e garantir o voto de
desempate a favor das calendas do “trânsito em julgado”.
Felizmente,
Moraes publicou domingo artigo na Folha de S.Paulo em que assevera:
“Condenações em 2.º grau devem ser respeitadas; a possibilidade de execução
provisória de pena fez evoluir o combate à corrupção”. Eureka! Será que a
verdade vencerá as lorotas?”
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