“Pulga atrás da
orelha
Por Eliane
Cantanhêde
Dúvida atroz:
por que o Congresso não reagiu ao Supremo Tribunal Federal, que derrubou a
inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres, cassado e tornado inelegível
pelo Senado? E a independência entre os Poderes?
Há a suspeita
de que Demóstenes foi beneficiado pelo Supremo para abrir caminho para outros
políticos que estejam ou venham a estar inelegíveis. Por exemplo, Luiz Inácio
Lula da Silva, preso em Curitiba. Se vale para Demóstenes, pode valer para
outros. Se vale para outros, por que não para Lula?
Em 2012, o
plenário do Senado cassou o mandato e tornou Demóstenes inelegível por 8 anos
após o fim da atual Legislatura, ou seja, até 2027. Entretanto, a Segunda Turma
do Supremo (a boazinha) acaba de manter a cassação do atual mandato, mas
derrubando a inelegibilidade. Estranho, não é?
Procurador do
Ministério Público de Goiás e acusado de ser uma espécie de funcionário de luxo
do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Senado, Demóstenes continua cassado, mas com
direito a se candidatar em outubro de 2018. A Segunda Turma alegou que as
provas contra ele haviam sido anuladas, porque ele tinha foro privilegiado e
não poderia ser grampeado sem autorização do Supremo. E, se foram anuladas,
está também anulada a inelegibilidade. Mas mantida a cassação (?!).
É o samba do
Brasil doido e vale destacar que os votos para devolver a elegibilidade de
Demóstenes foram, primeiro, uma liminar do ministro Dias Toffoli, acompanhado
depois na turma por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O resultado foi por 3
a 2, com votos contrários dos ministros Celso de Mello e Edson Fachin.
“Estamos indo de encontro à decisão do Senado
Federal”, disse Fachin com todas as letras, ao discordar de Toffoli, Gilmar e
Lewandowski – que, aliás, presidiu a sessão do impeachment de Dilma Rousseff no
Senado, que criou uma nova forma: cassação do mandato, mantida a elegibilidade.
Ninguém entendeu nada, a não ser que houve um acordão entre as forças
políticas, articulado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, e
ratificado pelo então presidente do Supremo – o próprio Lewandowski.
Se a Segunda Turma
do STF agora desautoriza uma consequência natural da cassação de Demóstenes (a
inelegibilidade), por que senadores e deputados não se impregnaram de
indignação e de brios institucionais para reclamar e clamar por autonomia?
Por que os
atuais presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia, não
questionaram a decisão da Segunda Turma – agora do próprio Supremo –, alegando
interferência entre Poderes? A resposta parece constrangedora, mas é
razoavelmente simples: porque assim como “pau que dá em Chico dá em Francisco”,
também funciona o contrário: decisões pró-Demóstenes hoje podem muito bem ser
pró-Lula amanhã e depois, consolidadas, de todos os implicados que tenham se
tornado inelegíveis.
A diferença
entre Lula e Demóstenes, neste caso, é que o ex-presidente está automaticamente
tornado inelegível pela Ficha Limpa, depois de condenado por um colegiado, o
TRF-4. Se, e quando, ele registrar sua candidatura, ela será alvo de
questionamento e a chapa deverá ser indeferida pela Justiça Eleitoral.
Quanto a
Demóstenes, ele foi cassado em 2012 e tornado automaticamente inelegível com
base na Lei Complementar 64, de 1990, que estabelece causa e efeito: cassado, o
político se torna inelegível por 8 anos.
Lula é
ficha-suja, Demóstenes caiu na Lei 64, mas o fato é um só: assim como houve um
jeitinho para Dilma e outro para Demóstenes, por que não haveria um para Lula e
para sabe-se lá quantos depois? A Lava Jato não está com uma, mas com várias
pulgas atrás da orelha.”
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AGD
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