Por Carlos Sena (*)
Sempre achei que novela não é
produto para ser consumido no formato de CULTURA. Novela é passa tempo. É como
olhar da janela do prédio do decimo andar e ver as pessoas passando lá em baixo
com suas histórias, com suas neuras, com suas vidas. A TV é um pouco dessa
janela e nós por dentro delas vemos novelas, ou não. A vida real nem sempre a
novela mostra sem que altere o ritmo, o movimento, para que possa prender nossa
atenção, dosando de inverossimilhança suas tramas. Assim, embora novela não
sendo produto cultural, tem tratado alguns temas interessantes, reais,
bombásticos, como é o caso da homossexualidade de Félix. Ou como o caso da
gorda que sofre preconceito, bulling, por ser gorda, por contrariar a estética
estabelecida pela sociedade de consumo, pela academia, pela moda do corpo
sarado. Ou ainda como o problema do autismo. Ou mais uma vez (ainda) o caso do
casal gay que quer ter um filho via inseminação artificial, mas que, por conta
de uma traição, o filho nasceu porque um dos gays transou com a mulher
candidata a ser mãe de aluguel. Por isso acho que de todo a novela não é fútil.
Pode não ser útil no formato cultura, mas ela dá um certo choque de realidade
via ficção, diante de temas polêmicos como os que a novela Amor à Vida vem
mostrando em horário nobre. Contudo, o personagem FELIX tem sido emblemático na
quebra de certos paradigmas: ele é gay, mas é casado com mulher e tem um filho.
Também é rico, branco, bonito (os machões diriam boa pinta, presença). O
personagem faz um tipo gay do mal e isso chocou muita gente. Porque o
estereótipo de bicha está calcado na caricatura que delineia um homossexual
ligado diretamente a trejeitos, à fala mansa e pausada e delicada, bem como
“incapaz” de fazer maldade ou cometer grosserias ou mesmo não “fazer filho” nem
gostar de mulher. Félix dá um chute no balde dessa compreensão equivocada.
Certo que Félix é uma bicha má. Mas não por ser viado! É que há viado brabo,
como há manso, como há mal caráter, como há bom caráter. Tudo que um ser humano
dito “normal” possa ser, um gay também poderá ser, inclusive com maior, ou
melhor talento, ou sem talento algum. Porque o problema de Feliz ser um cara
mal, não está no fato de ser um gay que viveu muito tempo preso dentro do
armário. Na verdade, Félix não é apenas
mauzinho, mas, e acima de tudo, ardiloso, desonesto, maquiavélico e infeliz. Assim,
esse personagem ajuda a desmistificar o estereótipo da bichinha fraca, molinha,
molenga! Porque igual a Felix o mundo tá cheio, principalmente cheio de gente
hetero que é igualzinha a ele ou pior...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 11/10/2013
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