Por Carlos Sena (*)
Vinicius, o poetinha (lembro que
no Recife se chama o Santa Cruz de “Santinha”), imortalizou o conceito de
beleza nas relações homem e mulher. Eu completo: nas relações gente com gente,
para ser fiel à diversidade. “Que me perdoem as feias, mas beleza é
fundamental” – mais ou menos assim é a frase cunhada pelo poeta que o mundo
inteiro reverencia, a despeito das discussões acerca do feio e do bonito,
inclusive acerca da beleza interior. Em todas as rodas opiniões se
multiplicavam acerca do que “beleza” teria se referido o poeta: se a de dento
ou a de fora. Não tenho dúvidas que foi acerca da beleza mesma que instiga o
tesão, a vontade de partir pra cima e “comer” viva a pessoa que se descortina
aos nossos olhos e mexe com todos os sentidos. Há quem julgue certo preconceito
na poesia Viniciana ao enaltecer as belas contra as feias, mas não concordamos.
Porque aos poetas se confere a difícil arte de interpretar para os outros o seu
mundo em forma e matiz variado. Não tenho dúvidas de que Vinicius tenha cunhado
essa “frase” diante de uma bela moça. Bela pra ele, certamente, mas isso poucos
interpretam no bojo desse pensamento. A visão poética tem esse poder e isso
sempre foi o grande viés desse poeta que completaria cem anos se vivo fosse. O
seu “Soneto da Fidelidade” lhe traduz a relação consigo mesmo e com as mulheres
e, como pano de fundo, com o seu inseparável uísque. Ele também imortalizou
“Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto
dure”... Querendo ser petulante, a gente pode, muito bem, fazer uma conexão
entre “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”, para que “Eu possa
me dizer do amor que tive: que não seja imortal, posto que é chama, mas que
seja infinito enquanto dure”... Estaria o amor, então, subordinado à beleza que
permite o amor durar? Considerando que os amantes envelhecem, o poema perderia
a validade? Claro que não, mas é assim que muitos querem insinuar quando dizer
“beleza é fundamental”. O ponto central dessa frase está sublinhado no
pensamento do poeta. Porque todo poeta sabe que seu universo é a
intersubjetividade das emoções humanas. Desse jeito, certamente (e esse é o meu
entendimento), BELEZA CONTINUA SENDO O FUNDAMENTAL. Por um simples fato: “quem
ama o feio bonito lhe parece”. Vê-se, pois que o “poetinha” estava correto na
sua vernácula, pois ele estava falando de si, como cada um diante de uma pessoa
bonita fala também por si. Quantas vezes alguns amigos nos falam de uma bela
mulher e que, quando a gente conhece, não acha? Porque a beleza em sendo
fundamental é relativa. Nesse prisma a fealdade inexistiria? Talvez sim, talvez
não. Porque o belo se referencia no feio e este na beleza se dimensiona. E
entre o belo e o feio está o que vê, o que se apaixona, o que é movido pela
emoção de ter amor ou tesão por outrem sem que isso tenha explicação.
Portanto, o poetinha estava
coberto de razão: “Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”...
Roberto Freire – autor de “Sem tesão não há solução”, certamente teria
concordado e vivenciado Vinicius de Morais... O popular também não se exclui
dessa contextualização, pois afinal, “não fata sapato velho para pé doente”...
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Soneto da Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre,
e tanto
Que mesmo em face do maior
encanto
Dele se encante mais meu
pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar
meu canto
E rir meu riso e derramar meu
pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me
procure
Quem sabe a morte, angústia de
quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem
ama
Eu possa me dizer do amor (que
tive):
Que não seja imortal, posto que é
chama
Mas que seja infinito enquanto
dure.
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Publicado no Recanto das Letras
em 20/10/2013
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