“Professor de juridiquês
POR MERVAL PEREIRA
A estupefação que causou o voto de quatro horas do
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na
abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de
persecução penal (Ministério Público e Polícia) e os de investigação (Unidade
de Inteligência Financeira- UIF, antigo Coaf -, e Receita Federal) foi
provocada pela tentativa de sinuosamente voltar atrás sem deixar clara a mudança.
Tão obscuro o voto que teve que ser explicado mais tarde por
uma nota oficial. Há pesquisas, como a do economista Felipe de Mendonça Lopes,
da Fundação Getulio Vargas, que mostram que, com o televisionamento ao vivo dos
julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o
tempo de leitura em cerca de 50 minutos.O ministro Luis Roberto Barroso definiu
bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”. Referia-se ao
conto “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem
saber nada do idioma, se apresentou como professor de javanês a
um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a
língua.
A utilização de métodos econométricos deu a ele a certeza de
que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o
aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem
propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido
à cobrança sempre maior da transparência das decisões, não necessariamente
clareza.
Quanto à obscuridade
da linguagem, lembrei-me de um ciclo de palestras que coordenei este ano na
Academia Brasileira de Letras sobre a influência do barroco em nossa cultura.
Um dos aspectos abordados pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson
Jobim foi justamente o juridiquês, esse idioma parecido com o português,
salteado com termos em latim, que nos acostumamos a ouvir durante a transmissão
dos julgamentos pela televisão.
Jobim criticou as transmissões, avaliando que com elas os
votos ficaram mais longos. Mas ressaltou a vantagem da transparência do
processo decisório do Supremo, não obstante o Brasil continue sendo o único
país do mundo que televisiona os julgamentos de seu Supremo ao vivo, em tempo
real.
A Corte Suprema dos Estados Unidos realiza suas reuniões a
portas fechadas, e somente o acórdão é divulgado, sem a especificação das
eventuais divergências entre seus membros. E nenhum deles vai à imprensa
criticar a decisão da maioria ou dar seu voto divergente.
Mas, voltemos ao
juridiquês. Para Jobim, o uso radical da linguagem mais culta e o excesso de
erudição têm o objetivo de “transmitir potência no discurso”. Nelson Jobim
acredita que o formalismo da linguagem jurídica já virou piada, mas “ainda assim,
insistimos em usar o juridiquês no Brasil”.
Para ele “a ornamentação lingüística” sinalizaria um jurista
mais preparado, “pois quem se afasta se torna grande e incompreensível”. Jobim
definiu assim o falar empolado: “Comunicação sem clareza é uma forma eficaz de
esconder ignorância no assunto sobre o qual se fala”. Leu, ao encerrar a palestra, um trecho do
conto “Teoria do medalhão”, do patrono da ABL Machado de Assis, destacando a
seguinte frase: “Falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”.
O tema favorece debates intermináveis, e na quarta-feira
tomou conta das redes devido ao longo e obscuro voto do presidente Dias
Toffoli. Em um grupo de que participo na internet vieram diversas citações
muito úteis para se ter uma idéia de como se deve falar.Diz Ludwig
Wittgenstein, respeitado filósofo da linguagem: "tudo o que pode ser dito,
pode ser dito claramente; e o que não pode ser dito claramente, deve relegar-se
ao silêncio".
No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, outra
definição de Wittgenstein da linguagem: “Devemos atribuir um significado às
palavras que usamos se desejamos falar com algum significado e não por simples
tagarelice, e o significado que atribuímos às palavras deve ser algo do qual
todos já tenham conhecimento.”.
Outro, Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, das maiores
autoridades em hermenêutica, o estudo das palavras, afirma que "aquele que
fala uma linguagem que mais ninguém fala, rigorosamente não fala". O
sociólogo alemão Niklas Luhmann, considerava a argumentação jurídica um "acréscimo
de redundância".
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