“Um escândalo puxa outro no Congresso
Por José Nêumanne
O tal do fundão eleitoral já é um escândalo em si: nada
justifica que o cidadão, na penúria em que se encontra, financie bilionárias
campanhas eleitorais. No entanto, neste país do absurdo total, ninguém discute
se, eleitor ou não, seja de que partido for ou não filiado nem devoto de
nenhuma legenda, deve pagar, sem direito a tugir ou mugir, a recente farra do
dispêndio em todos os pleitos.
No ano passado, quando foram eleitos presidente da
República, governadores, deputados estaduais e federais e dois terços dos
senadores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou que os 35 partidos
registrados e reconhecidos em seus escaninhos gastassem R$ 1.716.209.431,00 em
suas campanhas. É um despautério haver tantos partidos e se gastar tanto
dinheiro público numa disputa privada em sua essência. Afinal, se não fosse, as
entidades disputantes não seriam chamadas de partidos.
O governo Bolsonaro, eleito para implantar a tal da nova
política, que diferiria da chamada de velha pela mudança dos velhos paradigmas
por novos, traiu esse compromisso ao mandar um projeto orçamentário para o
Congresso com dotação de R$ 2 bilhões para o tal fundo eleitoral. Os
parlamentares consideraram a quantia, prevista para eleger prefeitos e
vereadores, ínfima, apesar de ser mais que o dobro da das eleições gerais de há
dois anos. E exigiram quase dobrar a verba prevista no texto do Orçamento,
passando-a para R$ 3,8 bilhões. Fingindo não aceitar a escabrosa exigência,
Bolsonaro vetou o truque da redação engana-trouxa. Achava que assim cumpria o
pacto da adoção da vergonha na cara como projeto de governo.
O hipócrita faz de conta que abre a frase anterior parte da
constatação de que seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro, ajudaria os
“nobres” comparsas a derrubar o veto do pai. Para consternação geral da Nação,
o ex-deputado estadual fluminense, que obteve 4.380.418 votos na disputa pela
vaga no Senado, teve o desplante de dizer que votara na derrubada do veto por
engano.
O erro primário que se atribui o senador e o faz merecer o
apelido de “Flávio Bó”, lembrando Pedro Bó, o simplório coadjuvante de baixo QI
no quadro do mentiroso Pantaleão de Chico Anysio na TV, não foi exclusivo.
Muitos de seus colegas erraram, embora soubessem que o estavam fazendo em
proveito próprio, e não representando o povão. O resultado da votação no
Congresso para deixar em aberto a fixação do novo valor hipertrofiado não deixa
dúvidas quanto à consciência (ou melhor, à falta dela) dos congressistas sobre
o acintoso aumento: 263 a favor e 144 contra. A diferença deixou clara a reação
ao anúncio de que a dádiva cairia para R$ 1,7 bilhão por decisão da teimosa
equipe econômica.
O relatório do deputado Domingos Neto, de 31 anos, lançado
na política pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), de esquerda, em 2009, e,
depois, transitado por PROS e Partido da Mulher Brasileira antes de chegar à
atual sigla, o PSD de Kassab, foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento. Com
apenas cinco votos contra, o relatório foi acusado de ter capturado verbas
destinadas antes à educação e à saúde. O relator negou e disse que recebeu
apelo de quase todas as bancadas para tomar a estroina decisão.
O pedido de aumento, que ele citou como inspiração para seu
generoso relatório, contudo, motivou mais uma denúncia. O senador Jorginho Mello
(PL-SC), cuja assinatura foi incluída, reafirmou sua militância contra o fundão
e disse que não o assinou. Em resposta à queixa, veiculada por Cláudio Dantas,
de O Antagonista, o deputado Wellington Roberto (PL-PB) confirmou que havia
assinado pelo senador e também pelo presidente de seu partido, o notório
Valdemar Costa Neto. Este, dono do PL, foi julgado e condenado a sete anos e
dez meses de prisão, mas só cumpriu parte da pena, pois foi indultado por Dilma
e perdoado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2016.
O tal fundão eleitoral é, portanto, um conto real de terror
que ainda tende a produzir novas cenas de pânico para o pobre pagador de
impostos, que banca a farra bilionária dos donos de legendas e seus sócios
beneméritos. Por enquanto, o peculato autorizado na letra da lei mais
importante da democracia brasileira – que determina o destino da distribuição
do dinheiro recolhido pelo rigoroso fisco – tem produzido um florilégio de
cinismo sem limites. Domingos Neto disse que a falsificação da assinatura do
senador Jorginho Mello pelo deputado Wellington Roberto não importa. Afinal,
segundo ele, este pode ter assinado no lugar errado por engano. E superou o
próprio falsário em desfaçatez, pois este confessou o delito: “Assinei como
representante do meu partido numa reunião em que estavam ausentes o presidente
e o líder (no Senado). Encerrada a reunião, perguntaram se eu podia assinar.
Assinei e assinaria de novo se preciso”.
Davi Alcolumbre, que venceu Renan Calheiros em eleição
fraudada para a presidência do Senado e do Congresso, e Rodrigo Maia, o
Botafogo do propinoduto da Odebrecht, fazem dos plenários do Legislativo meros
carimbos de decisões dos chefões partidários. Em golpes de mestres, driblam as
maiorias plenas em conchavos do tal colégio dos líderes, também avalizando o
contorcionismo de Maia sobre o “sem fundo” eleitoral. Em obscuro contraste com
a velha aritmética de Pitágoras de Samos, Maia tentou menosprezar o sacrifício
da sociedade para financiar a farra eleiçoeira, num confuso axioma: “Independentemente
do valor, se é (sic) dois, três ou quatro (bilhões de reais), o importante é
que você mostre à sociedade que isso não está sendo em detrimento de nenhuma
área fundamental do orçamento público”. E completou, solene e solerte: “Em
relação ao fundo, a sociedade não vai ficar satisfeita nunca, mas é preciso
financiar a democracia”.
Ou seja, esta anciã prostituída é o regime em que o povo
paga a farra de gatunos e falsificadores de assinaturas.”
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