“O caso do cheque especial
Por Affonso Celso Pastore
Desde quando no CDPP trabalhei com João Manoel Pinho de Melo
e Vinicius Carrasco no livro Infraestrutura: Eficiência e Ética, aprendi a
respeitar seu conhecimento teórico e empírico na solução de problemas
econômicos. Após curta permanência no BNDES, onde ajudou na substituição da
TJLP pela TLP, Vinicius retornou à academia. Já João Manoel, após produtiva
passagem pelo Ministério da Fazenda, quando trabalhou nas reformas
microeconômicas, foi recrutado por Campos Neto para a diretoria do Banco
Central. Foi uma decisão sábia do presidente do BC. João Manoel é o autor do
estudo sobre a nova regulação que o CMN impôs ao cheque especial, cujos
resultados são expostos neste artigo.
Na economia, como na medicina, a prescrição da terapia é
precedida do diagnóstico, de cuja qualidade depende o sucesso do tratamento.
Por que os juros do cheque especial são tão elevados no Brasil? O diagnóstico
se inicia caracterizando-o como produto híbrido. É ao mesmo tempo um “seguro” e
uma forma de empréstimo. Pessoas com rendas mais elevadas costumam ter amplo
limite no cheque especial que raramente – ou talvez nunca – é sacado. Funciona
como um seguro a ser usado na emergência de uma queda inesperada no fluxo de
caixa, e é natural que paguem ao banco pela prestação deste serviço.
Como no seguro de um automóvel, podem optar por cobertura
total ou parcial, o primeiro com preço mais alto. Em um sistema no qual
predomina a livre escolha, e não decisões impostas, a solução correta no caso
do cheque especial consiste em estabelecer uma tarifa proporcional ao limite
autorizado do saque, deixando ao beneficiário a escolha entre um limite maior
ou menor.
Evidentemente, para atrair mais e melhores clientes os
bancos são estimulados a dar limites elevados cobrando muito pouco. Do ponto de
vista do banco, é a solução correta, mas do ponto de vista da sociedade como um
todo é errada. Por quê? O acordo da Basileia obriga que os reguladores – os
bancos centrais – imponham uma alocação de capital que cresce com o aumento do
limite de crédito concedido ou à disposição do cliente, ainda que não
utilizado. Alocando mais capital para este propósito, sobra menos capital para
todas as outras formas de empréstimos, que são penalizadas. Ou seja, este é um
instrumento excelente para a atração de clientes, mas péssimo para a sociedade,
que assiste ao encolhimento do crédito total.
Mas há, também, pessoas que sacam frequentemente até o seu
limite, e que seguidamente renovam o “empréstimo”. São em geral pessoas de
baixa renda, com dificuldade de planejar o fluxo de caixa, e que não se dão
conta do custo incorrido. Sacam porque precisam, qualquer que seja o preço. Ao
ler esta caracterização, um economista diria de imediato que a
“elasticidade-preço” da demanda deste tipo de clientes é muito baixa, tendendo
a zero.
Mas em vez de simplesmente assumir que este é o caso, um bom
economista fará um teste para verificar se ele é correto. Procederá como o
médico que, antes de concluir o diagnóstico, pedirá um exame de laboratório.
Foi isto que João Manoel fez. Quem ler seu estudo, verificará que ali está o
resultado do exame, o teste econométrico que comprova, empiricamente, que para
este grupo de pessoas a elasticidade-preço da demanda é muito baixa.
Diante disto, os bancos têm um “poder de mercado”, que não
chega ao extremo de levar ao monopólio, mas que, junto com a atração dos mais
ricos proporcionada por um seguro quase de graça, caracteriza uma falha de mercado.
O dirigente do banco tem obrigação de atrair bons clientes cobrando barato pelo
seguro, e busca maximizar o lucro, o que diante do poder de mercado eleva a
taxa de juros dos correntistas que não reduzem os saques nem mesmo com taxas de
juros de 350% ao ano. O banco aumenta seu lucro ao explorar seu poder de
mercado, e ocupa o limite da Basileia atraindo clientes mais ricos à custa da
queda de outros empréstimos, penalizando a sociedade. Um dos resultados
apontados por João Manoel é que, embora o cheque especial represente apenas
1,4% do total de empréstimos, representa 13,2% dos lucros dos bancos.
Mesmo no mundo do liberalismo, os reguladores têm obrigação
de agir para corrigir falhas de mercado, e, na qualidade de regulador, o Banco
Central agiu corretamente, inclusive quando o usuário do empréstimo tiver
abatida a tarifa. Apesar das críticas ruidosas, parabéns ao Banco Central!”
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