“O modelo chileno para sua aposentadoria
Por Celso Ming
As manifestações contra o governo de Sebastián Piñera, do
Chile, estão servindo de ocasião para uma saraivada de ataques no Brasil contra
o regime de capitalização da previdência social vigente no Chile.
Esse sistema é hoje defendido pelo ministro da Economia,
Paulo Guedes, e foi proposto por Ciro Gomes, em 2018, quando candidato do PDT à
Presidência da República.
Os argumentos dos que repelem a capitalização são de que as
reclamações são muitas e que esse regime foi revogado em 18 dos 30 países que o
adotaram até agora.
Não há dúvida de que o regime de capitalização enfrenta
problemas, no Chile e em outras partes. No entanto, ainda mais problemático e
já condenado à falência é o sistema de repartição ainda predominantemente
adotado, inclusive no Brasil.
Primeiramente, aos conceitos. Há hoje dois regimes de
previdência social: o de repartição e o de capitalização. O de repartição se
fundamenta nas contribuições do trabalhador da ativa e do seu empregador, que
bancam a aposentadoria presente dos já retirados do mercado de trabalho. No
regime de capitalização, as contribuições tanto do trabalhador da ativa quanto
do empregador vão para uma conta em nome do futuro beneficiário. Seus saldos
são aplicados no mercado financeiro por administradoras escolhidas pelos
próprios interessados. A aposentadoria se baseará no patrimônio existente nessa
conta assim amealhado e assim aplicado.
Apesar das inúmeras tentativas de reforma, o regime de
repartição está condenado por muitas razões. As principais são o aumento da
sobrevida do trabalhador e as mudanças estruturais do mercado de trabalho, que
estão desidratando o emprego formal.
As pessoas vivem cerca de 20 anos a mais do que viviam há um
século e hoje é preciso prolongar o período de aposentadoria por muito mais
tempo. É uma sobrecarga que o sistema não vem suportando. E, apesar da queda
das taxas de natalidade, o mercado de trabalho está encolhendo em todo o mundo
e, portanto, já não proporciona mais a arrecadação de contribuições suficientes
para cobrir, como no passado, os benefícios dos aposentados.
A principal resposta técnica que garante alguma sobrevida ao
regime de repartição são as politicamente custosas reformas da previdência
social, como a que acaba de ser aprovada no Brasil. Por meio dos truques já
conhecidos, elas se baseiam no aumento da contribuição, no prolongamento do
período da ativa e na redução da aposentadoria mensal. Mas, por melhor que
tenha sido executada, essa recauchutagem tem prazo de validade muito curto.
Logo chegará o dia em que esse sistema não se sustentará.
O envelhecimento da população, o crescente desemprego e a
impressionante transformação do mercado de trabalho também são fatores que
deterioram as condições do regime de capitalização, porque reduzem as
contribuições. E há mais uma quarta e decisiva razão: em todo o mundo, os juros
estão desabando. São negativos na Europa e no Japão e perto do zero nos Estados
Unidos e sabe-se lá quanto tempo continuarão lá embaixo. Com isso, o retorno
das aplicações financeiras na conta do aposentado futuro também vai nanicando.
Depois desse pinga-pinga sobra pouco na tigela do aposentado.
Assim, aumentam os casos, no Chile e em outros países, que
adotam o regime de capitalização, em que o saldo existente na conta do
trabalhador ao final do seu período de atividade é insignificante para garantir
aposentadoria decente.
Apesar disso, é impensável no Chile o retorno puro e simples
ao sistema de repartição vigente antes do governo Pinochet. Todos os governos
de esquerda de 1990 para cá mantiveram o regime de capitalização.
As propostas de conserto se concentram em garantir uma
aposentadoria mínima, a ser bancada pelo Estado ou por um fundo composto de
receitas especiais, como o constituído na Noruega por exportações de petróleo.
E não ao retorno ao que existia antes.
A ideia da aposentadoria mínima converge para uma proposta
mais ampla, a da renda mínima. Esta se baseia no fato de que o emprego está
rareando e que é preciso buscar garantir sustento básico aos cidadãos. Essa
renda mínima ajudaria a empurrar o mercado de consumo e, assim, a sobrevivência
das empresas.
Se é para adotar programas de renda mínima, o grande
problema a enfrentar é o de garantir receitas suficientes para o Estado que
bancasse essa renda mínima, num ambiente em que, em toda parte, os Tesouros
estão esgotados.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário