“Um novo ato em
fevereiro
Por Fernando
Gabeira
A relação de
Bolsonaro com o Congresso é um enigma dentro do enigma. Ele promete romper com
o velho esquema de governo de coalizão.
Esse já é um dos
grandes desafios. Toda vez que se tentou, a percepção era de que formar um
governo técnico seria possível, porém discriminar os políticos o levaria à
ruína, uma vez que entre os políticos existe gente capacitada e ainda sem
grandes problemas. A própria expressão discriminar é impensável num governo
amplo.
Bolsonaro
decidiu substituir os partidos pelas bancadas temáticas. Nada garante que elas
não tenham os mesmos vícios, ou que possam oferecer fidelidade em temas que
escapam ao seu campo de ação.
Houve renovação
no Congresso. E foi superior às nossas previsões pessimistas, baseadas no fato
de que os velhos caciques concentraram a grana para financiar a campanha.
Mas não foi
possível, por falta de articulação ou mesmo perspectiva, unificar os novos com
os mais experientes, aqueles que sobraram do desastre e poderiam pôr seu
conhecimento a serviço de uma transformação.
Sozinhos, os
novos não elegem a Mesa. E se elegessem estariam em dificuldades. Costumo dizer
que 512 deputados estreantes e bem-intencionados seriam facilmente enrolados
por uma só raposa regimental como Eduardo Cunha.
A saída que
parece possível no momento é manter a velha direção; no caso da Câmara, Rodrigo
Maia. Ele não sobrevive apenas por falta de alternativa. Sabe conciliar-se com
as diferentes tendências políticas, enfim, traz um aprendizado que os novos não
têm e os sobreviventes que por acaso o tenham não conseguiram capitalizar.
Dizem que Renan Calheiros
é o favorito no Senado. Seria mais uma referência do passado, mostrando a
limitação das mudanças. Não surgiu ainda no Senado, apesar da grande renovação,
uma alternativa viável. O trunfo para evitar a vitória de Renan seria a
conquista do voto aberto.
Sou favorável ao
voto aberto e, dentro dos limites, lutei para que fosse ampliado o seu alcance
na pauta de decisões. Mas o voto aberto numa eleição é sempre problemático.
A minoria pode
se sentir constrangida em abrir um flanco para a vingança dos vencedores. Não
falo de todos. Alguns são claros adversários de Renan e vão antagonizá-lo
independentemente de voto aberto. E Renan saberá que votarão contra ele, mesmo
na votação fechada.
O que os antigos
dirigentes do Congresso podem oferecer a Bolsonaro, e parece que já indicaram
isso, é rapidez e boa vontade nas reformas econômicas. Renan chegou a falar num
processo rápido de votação, um fast track à moda do Congresso americano.
Se a aliança nas
teses econômicas é fácil, em outro campo eles vão fazer corpo mole: as medidas
contra a corrupção. Renan é a esperança que resta a alguns adversários da Lava
Jato. Em vários momentos já demonstrou sua oposição a Sergio Moro.
Aí está o
problema para Bolsonaro. Se, de um lado, será mais rápido aprovar medidas
econômicas que não são assim tão populares, de outro, Moro vai comer o pão que
o diabo amassou para aprovar sua agenda, que é muito mais popular.
É sempre
tentador aprovar as reformas econômicas, com o apoio da imprensa e dos
investidores. Talvez surja no governo a hipótese de investir nisso e deixar a
agenda política para depois. Pode não funcionar.
Adiar a pauta de
Moro não tem o mesmo efeito de adiar a pauta de costumes, que serve mais para
animar a discussão nas redes sociais do que, realmente, mudar o País. Imagino a
ministra de Direitos Humanos diante de três secretárias, alguns carros usados
no pátio, batendo na mesa: “De agora por diante, menino veste azul e menina,
rosa”. Dava o início de uma boa série da Netflix.
O combate ao
crime organizado e à corrupção é tema urgente. Estou em Fortaleza, cobrindo a
onda de ataques no Ceará. Mas nem precisava. Já estive antes, para mostrar como
as facções criminosas dominaram as cadeias do Estado e se matavam pelo controle
das ruas. Agora fizeram um pacto, uniram-se para a onda de terror.
No caso do crime
organizado, não acredito tanto numa nova estrutura legal. É preciso
inteligência e ação. Creio que a primeira faltou no Ceará quando anunciaram uma
série de medidas repressivas sem estar preparados para ela. O golpe se dá de
uma só vez, o bem é que se faz aos pouquinhos.
Na hipótese de
aprovar as reformas econômicas, Bolsonaro pode se sentir forte. Mas as velhas
lideranças também. Será muito difícil desatar o nó e abrir o caminho para a
agenda de Moro. O ideal seria pensar todos esses temas no conjunto.
Mas no Brasil a
campanha presidencial predomina. Em torno de um nome popular, as bancadas
eleitas são uma espécie de arrastão. De fato, eles são novos, mas estão
preparados para o longo combate? Os próprios presidentes, ocupados em garantir
sua popularidade, esgrimindo frases de efeito, pavimentam sua vitória e deixam
para depois a articulação dos grandes problemas.
Se é tudo tão
nebuloso, por que escrever um artigo? Porque, apesar das confusões, existem
algumas passíveis de ser previstas. Uma delas, inequívoca, é a de que a vitória
de Renan e a relativa indiferença de Maia na defesa da Lava Jato podem levar,
entre dezenas de pequenas barganhas, à grande e decisiva batalha em torno da
corrupção.
Até que ponto
isso foi apenas um tema de campanha? Até que ponto a corrupção é algo
condenável apenas nos partidos de esquerda, ou é algo muito mais amplo e
envolvente na História moderna do Brasil?
Essas previsões
só serão mais bem desenvolvidas quando se fizer uma análise mais completa do
novo Congresso. Por enquanto, temos nomes, biografias, mas só vamos conhecê-los
mesmo diante dos grandes embates.
No meio do
século passado as coisas eram mais previsíveis com as grandes bancadas da UDN e
do PTB. Hoje é preciso esperar o começo e preparar-se para quatro anos de
surpresas.”
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AGD
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