“Estreia
cautelosa
Por William
Waack
Jair Bolsonaro
tentou lentamente desconstruir em Davos, na Suíça, no World Economic Forum, uma
imagem que ele mesmo passou décadas para criar. Ao estrear de fato na cena
internacional (e uma de considerável relevância), o presidente brasileiro
parecia empenhado em fugir da caricatura cujos principais elementos –
truculência, destempero verbal, radicalismo – vive de elementos fornecidos pelo
candidato.
Bolsonaro não
empolgou no discurso pois, de fato, não empolga ninguém quando discursa
formalmente. O forte dele como figura política está na rapidez e “gaiatice” de
algumas respostas – como a que resumiu a condição de seu adversário nas últimas
eleições ao mencionar a razão de não topar duelos verbais: “quem conversa com
poste é bêbado”. Mas nada disso no discurso formal, que parece melhor lido do
que ouvido.
No que ele não
disse, ou não se referiu diretamente, vislumbra-se o reconhecimento de alguns
dados da realidade. O primeiro é o fato de que o público clássico de Davos
(justamente os tais “globalistas” apegados à globalização que Bolsonaro tanto
detesta) pouco se deixa levar por histrionismos, piadas, frases de efeito e
oratória exacerbada. Quer linhas mestras – de preferência, com detalhes que, no
caso, o presidente brasileiro não tinha para fornecer ou não achou necessário.
Bolsonaro falou
dos grandes temas caros para esse público (que é o público que, mal ou bem,
comanda a ampla agenda internacional): meio ambiente, segurança jurídica,
abertura da economia, desregulação, diminuição de carga tributária, combate à
corrupção. Falou talvez para o público interno quando se referiu à defesa dos
“verdadeiros direitos humanos”. Os estrangeiros não devem ter entendido: lá
fora o conceito de direitos humanos é um só.
Outro
reconhecimento implícito, no tom (e também na forma do discurso) cordato,
morno, pausado, é o de que a eleição de Bolsonaro foi um fato que uniu boa
parte da imprensa internacional em severas críticas ao personagem político, e
não estamos falando de órgãos da mídia claramente com posturas editoriais de
esquerda. Esse é um dado concreto da realidade: nenhum governo brasileiro
recente assumiu com uma imagem lá fora tão avariada como o de Bolsonaro. Marcar
e desmarcar coletivas, com queixas fundamentadas ou não sobre o comportamento
da imprensa, só vai piorar um quadro ruim.
O abandono de
algumas posturas que costumam gerar muitos aplausos nas redes de apoio
bolsonaristas – principalmente ligada a costumes e combate ao crime – indica
também a admissão de que essas posturas (a “lacração” na internet) não são
conteúdo capaz de gerar simpatias internacionais que ele, implicitamente,
pareceu empenhado em conquistar. E há o reconhecimento explícito que o conjunto
de regras multilaterais do comércio merece ser reformado para coibir “práticas
desleais” (o velho protecionismo aplicado sem dó e defendido hoje sobretudo por
Trump, que Bolsonaro tanto admira).
Bolsonaro passou
ao largo ou foi genérico em relação às principais questões internacionais mais
relevantes (como a crescente tensão geopolítica entre Estados Unidos e China,
por exemplo), mas indicou que o Brasil pretende entrar para o clube da OCDE – o
seleto grupo de economias que prosperou e parece razoavelmente interessado na
tal “ordem liberal internacional” tão criticada por inspiradores de discursos
do presidente.
No fundo, o que
o estilo dessa estreia internacional traduz é o mais importante reconhecimento
de um fato fundamental para esse novo governo. Bolsonaro deve se sentir aliviado
constatando que será julgado não pelo que disser, mas pelo que fizer.”
----------------
AGD
comenta:
Sem
comentário
Nenhum comentário:
Postar um comentário