“Nosso Brasil
Por Monica De
Bolle
“O Brasil é
nosso. Nós somos diferentes deles”. Nós e eles. Eles e nós. Nós não somos eles,
eles não são como nós. Nós somos diferentes, e ser diferente significa ser
melhor, naturalmente. Mas, quem são eles? E quem diz agora que nós somos
diferentes deles, ou que eles são diferentes de nós? Mais fácil responder a
segunda pergunta do que a primeira. Dessa vez, quem disse “nós somos diferentes
deles”, quem deu ar de novidade à velha ladainha do “nós” e “eles” cuja
história é tão rica em Nosso Brasil foi Jair Bolsonaro.
Cabe digressão
exploratória e explanatória. O interesse geral pelo termo “populismo” jamais
esteve tão alto, a julgar pelos dados do Google Books NGram Viewer, que compila
as menções do termo em publicações desde o ano 1900. Isso mesmo, desde o início
do século passado. Nas publicações em língua inglesa, espanhola e portuguesa o
aumento das citações de “populismo” é espantoso. Em razão disso, cientistas
políticos, economistas, sociólogos, e outros pesquisadores da área de ciências
sociais têm se dedicado a destrinchar o que, afinal, é populismo. Não é fácil
chegar a um consenso sobre o que significa, já que de Hugo Chávez a Viktor
Órban, de Donald Trump a Recep Erdogan, da direita à esquerda, há populistas
para todos os gostos.
Jan-Werner
Müller da Universidade da Pennsylvania, define populismo a partir de alguns
ingredientes: trata-se de uma visão antielitista e antipluralista. O aspecto
antipluralista é o mais importante. De acordo com a sua definição, o antipluralismo
é a postulação moral de que um grupo representa “nós”, o “povo”, e não permite
que qualquer outro grupo da sociedade faça a mesma postulação, os “eles”. Os
“eles” são imorais e corruptos. A oposição não é legítima, pois quem não apoia
os populistas não é parte do “povo”, não está entre “nós”. Opositores
políticos, muitas vezes, são tachados de inimigos do “povo”.
O corolário do
que está descrito acima é que o populismo é espécie de política identitária
excludente, ou, tribal. Outro renomado cientista político e professor da
Universidade da Georgia nos EUA, Cas Mudde, define populismo assim: “O
populismo é uma ideologia superficial que separa a sociedade em dois grupos
antagonistas – as pessoas “puras” e as pessoas “corruptas” – e afirma que a
política deve ser a expressão da vontade geral do “povo”.” Contudo, como na
definição de Müller, o povo não inclui toda a sociedade, mas apenas aqueles que
se autoproclamam seus verdadeiros representantes.
Fim da
digressão. “Este é o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da
inversão de valores, do politicamente correto, do gigantismo estatal”. “Esta é
a nossa bandeira, que jamais será vermelha, só será vermelha se for do nosso
sangue derramado para a manter verde e amarela”. Essas duas frases foram
proferidas por Bolsonaro em seu discurso de posse. Examinadas sob a ótica das
definições acima, entender quem representa “nós” e quem representa “eles”, uma
das perguntas do início desse artigo, fica mais fácil.
“Nós” são todos
aqueles que não criticam o novo governo, ainda que as críticas possam ser
construtivas. “Eles”, o resto, são “comunistas”, “socialistas”, “vermelhos”, e
todos esses termos estão inequivocamente associados a gente corrupta, sem
escrúpulos, ou que apoia gente corrupta e sem escrúpulos. O bolsonarismo que se
instala no País e se manifesta nas redes sociais incansavelmente é identitário
e excludente, suas táticas não são apenas semelhantes às táticas do petismo.
São as mesmas táticas já que a retórica petista sempre foi populista, ao menos
de acordo com a definição atual do termo que nada tem de suas origens no século
19, quando despontou nos EUA. O bolsonarismo é o petismo no espelho com o sinal
trocado – não fosse assim, as eleições de 2018 teriam sido diferentes.
Nosso Brasil
passou por um ciclo populista “de esquerda” e agora passará por um ciclo
populista “de direita”. Dessa frase, a única expressão que importa é “ciclo
populista”, pois para populistas de linhagem, “direita” e “esquerda” são apenas
acessórios descartáveis a depender da conveniência. Nosso Brasil, ainda que com
“Deus acima de todos”, nada tem de acolhedor.”
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AGD
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