“Entre dona
Damares e os perigos da filhocracia
Por Rolf Kuntz
O presidente
Jair Bolsonaro resolveu só o menor problema, ignorando ou desprezando outro
muito mais grave, ao confirmar a demissão de Alecxandro Carreiro, Alex para os
amigos, da chefia da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (Apex). Inspirado talvez por Pepino, o Breve, ele ocupou o cargo
por apenas uma semana. Poucos dias bastaram para ele afastar antigos
funcionários, abrir espaço para aliados e entrar em conflito com gente de
confiança de seu superior imediato, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto
Araújo. Sem conseguir um afastamento pacífico, o ministro anunciou a demissão
de Carreiro. Um dos motivos indicados foi sua deficiência em inglês, pecado
considerado grave numa pessoa encarregada de cuidar de exportações e de atrair
capitais. Carreiro recusou a decisão do superior e recorreu ao presidente da
República. Este apoiou o ministro e endossou sua decisão. De fato, nada no
currículo do efêmero presidente da Apex podia justificar sua nomeação para o
posto. Assunto liquidado, portanto? Só para os mais distraídos. A questão mais
séria, e até escandalosa, continua intacta. Essa questão se desdobra em várias
perguntas. Quem indicou Alex Carreiro? Por que seu currículo inadequado e seu
inglês insuficiente foram ignorados na hora da nomeação? Nada se combinou antes
do início de sua atividade?
Parte importante
do esclarecimento já saiu na imprensa, mas sem contribuição explícita de fontes
oficiais. Alex Carreiro foi indicado por deputados do PSL e pelo senador eleito
Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República e ex-chefe de Fabrício
Queiroz, o das movimentações “atípicas” apontadas pelo Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf). Flávio Bolsonaro e Alex Carreiro apareceram
juntos, sorridentes e em pose amigável, numa foto divulgada nos últimos dias.
Falta saber por
que o presidente Jair Bolsonaro, responsável pela nomeação de Carreiro, aceitou
a indicação sem submeter o candidato a algum controle de sua experiência e de
sua capacidade para a função. Nomeações com critérios técnicos foram uma das
promessas mais alardeadas pelo presidente durante sua campanha e também depois
da eleição. Essa promessa nunca foi estritamente cumprida, mas também nunca foi
renegada.
Quanto ao
ministro das Relações Exteriores, por que aceitou tão passivamente a nomeação
de um funcionário para um posto em sua área de responsabilidade? Por que
esperou os desmandos do presidente da Apex e seus atritos com servidores da
agência para começar a agir? Se Carreiro fosse mais cauteloso e evitasse
conflitos, teria continuado no posto mesmo sem qualificações?
O episódio
evidencia mais uma vez a influência dos filhos do presidente na escolha de
pessoas para postos importantes. Confirma também a irrelevância de critérios
técnicos para as nomeações. Indicações com base meramente ideológica e até
religiosa são as únicas explicações para a escolha de vários ministros.
Nenhum argumento
profissional ou técnico justifica, apenas para citar alguns casos, a nomeação
dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, da Educação, Ricardo
Vélez Rodríguez, e da estranhíssima pasta da Mulher, Família e Direitos
Humanos, a pastora Damares Alves.
A ministra e
esses dois companheiros de governo poderiam formar um trio perfeitamente
harmônico. Ela ensinou as cores adequadas a meninos e meninas, azul e rosa, e
lamentou num vídeo recém-divulgado influência dos cientistas na formação do
currículo de ciências das escolas. Mais que isso: lamentou haver-se permitido a
inclusão da teoria evolucionista nos programas de ensino. Revelou absoluto
despreparo para reconhecer as diferenças entre teorias, sujeitas a severos
critérios de elaboração e de controle, e matérias de fé.
São
manifestações muito parecidas com as de seus colegas. O ministro da Educação
tem-se preocupado com a depuração do ensino, maculado, segundo ele, pela
influência marxista e pela insistência em temas inadequados à moralidade, como
as chamadas questões de gênero. Enganou-se quem esperava do responsável pela
política educacional uma boa discussão sobre, por exemplo, como ingressar na
chamada economia 4.0, assunto levado a sério em países bem mais competitivos,
mas, muito provavelmente, menos virtuosos.
O ministro das
Relações Exteriores chamou a atenção lamentando a decadência do Ocidente e
apontando Deus – e logo depois Donald Trump – como única esperança de salvação.
Há cerca de um século o historiador alemão Oswald Spengler escreveu sobre o
drama ocidental e indicou a Alemanha para a missão salvadora, a mesma agora
atribuída pelo chanceler brasileiro aos Estados Unidos da era trumpiana.
Esse ministro
rejeita os acordos de preservação ambiental e a cooperação a favor dos
migrantes (embora mais pessoas saiam do Brasil do que nele ingressem). Condena
o multilateralismo e elogiou o governo chinês por executar suas políticas sem
levar em conta limitações externas. Mas, se desse um pouco mais de atenção aos
fatos, lembraria a pregação do presidente da China, Xi Jinping, a favor da
liberalização comercial e dos compromissos sob as normas multilaterais da
Organização Mundial do Comércio, torpedeada por Trump.
Alguns técnicos
de boa reputação foram escolhidos para a equipe econômica, mas também nessa
área o critério ideológico foi muito importante. O sucesso mesmo parcial do
governo dependerá da competência desse pessoal, se o presidente, seus filhos,
os ministros políticos e os conselheiros teológicos do Executivo se abstiverem
de atrapalhar.
Há nos mercados
uma preciosa confiança na implementação dos ajustes e reformas. Mas será
preciso mais que essa política para uma dinamização duradoura da economia. Um
governo com a cara da ministra Damares Alves poderá proporcionar esse algo
mais?”
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AGD
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