“O candidato e o
governante
Por Denis Lerrer
Rosenfield
O discurso do
presidente Jair Bolsonaro em sua posse foi coerente com suas posturas de
candidato. Retomou suas teses centrais, formuladas no calor da disputa
eleitoral, como se, agora, pudessem simplesmente servir como orientações de
governo. Uma coisa é a campanha, com suas necessidades retóricas, voltadas para
o convencimento do cidadão, outra, muito diferente, reside nas ideias concretas
de governar.
O candidato
conseguiu articular em torno de si tanto sentimentos difusos e setoriais da
sociedade quanto posturas focadas em dizer não ao petismo e ao politicamente
correto, identificado com concepções de esquerda. O combate ao PT foi a sua
grande bandeira, fazendo ver à opinião pública a sua responsabilidade pelo
descalabro fiscal, pelo desemprego, pela ideologização da educação, pela
criminalidade desenfreada e pela corrupção generalizada.
Foi, nesse
sentido, imensamente favorecido pela escolha eleitoral petista, que preferiu,
ao arrepio da verdade, tornar Lula um perseguido político, quando não passa de
um criminoso já julgado e condenado em várias instâncias. Em vez de reconhecer
a corrupção em seus governos, optou por se esconder, não assumindo a própria
culpa. Poderia ter-se aberto um novo caminho!
Tampouco foi de
valia permanecer no discurso inverossímil do “golpe”, quando a Constituição foi
fielmente obedecida, até mesmo com o beneplácito de ministros do Supremo que
haviam sido escolhidos pelos ex-presidentes Lula e Dilma. A corroborar sua
ausência de visão, deu-se ao luxo de não comparecer à posse do novo presidente,
numa atitude de não reconhecimento do resultado das eleições e das regras
mesmas do jogo democrático. Pode-se dizer que o PT facilitou a vida do
candidato Bolsonaro. Este, certamente, agradece!
Acontece que o
antipetismo, ao aglutinar diferentes formas de oposição e de descontentamento,
terminou por agrupar interesses os mais diversos, alguns abertamente
contraditórios entre si. De modo geral, pode-se falar de conservadores e
liberais, defensores da ordem e da segurança, partidários da livre-iniciativa e
de uma economia concorrencial de mercado, e assim por diante. Conservadores nos
costumes e na educação, por exemplo, sinalizam para os valores da família, da
religião e da pátria, podendo ou não ser favoráveis a uma economia de livre
mercado. Liberais na economia podem ser radicalmente avessos aos conservadores,
advogando por uma liberdade generalizada.
A base eleitoral
do agora presidente Bolsonaro conseguiu reunir essas diferentes posições, o que
fez seu discurso de posse procurar dar satisfação a todas. Em certo sentido,
pode-se dizer que o caráter abstrato e genérico de suas formulações foi
consoante com os diferentes interesses que abriga em seu seio. Ao procurar
atender todos, pouco foi dito sobre o modo concreto desse atendimento, o que
certamente agradará a alguns e desagradará a outros.
A sociedade
brasileira reconhece-se em seu novo governante, cuja vitória não deixa margem
nenhuma a dúvidas. Cansou-se do palavreado político em geral, sobretudo quando
constata, em seu cotidiano, uma criminalidade galopante. Pessoas querem
simplesmente caminhar tranquilas pelas ruas, sem ser assaltadas ou
assassinadas. Para elas, bandidos devem estar na prisão e as leis devem ser
implacavelmente aplicadas. O reconhecimento nacional da Lava Jato é uma prova
disso. Não tolera o desemprego, fruto de uma economia emperrada e atravessada
por interesses corporativistas, embora a reversão da curva já tenha sido
empreendida pelo governo Temer.
O povo quer um
Estado que funcione, atendendo os mais carentes e a classe média em geral com
serviços de saúde e educação consoantes com os impostos arrecadados. Muito se
paga ao Estado e pouco se recebe dele em retribuição. Em troca, assiste ao
deplorável espetáculo de estamentos estatais usufruindo privilégios e advogando
em causa própria por aumentos salariais, quando outros, na base, nada recebem.
Pode-se dizer que a sociedade se cansou dos privilégios usufruídos por uma
minoria que desconhece o interesse geral. Bolsonaro soube muito bem capitalizar
para si esse sentimento generalizado.
Contudo a fase
da expressão política popular dá agora lugar à de governar, fazer opções,
desagradar e realizar a necessária transformação do País. Governar não é agir
numa reunião aleatória de interesses divergentes, mas ver além deles em
benefício de um todo mais abrangente, o Brasil. O atendimento de diferentes
interesses particulares não significa resolver os problemas prementes do País.
As virtudes de um candidato não coincidem necessariamente com as virtudes de um
governante ou de um estadista.
As últimas
décadas foram, sobretudo, marcadas por um forte viés distributivista, como se a
função do Estado fosse simplesmente redistribuir a riqueza segundo os anseios
particulares dos governantes de plantão. A questão da produção de riquezas foi,
em boa medida, relegada, salvo, nestes últimos anos, na política de
responsabilidade fiscal do governo Temer.
O novo
presidente, por sua vez, deverá contrapor-se a essa tendência distributivista
da sociedade brasileira, o que certamente terminará por acarretar o
descontentamento dos que se sentirem prejudicados. Deverá ver o Brasil do
amanhã, e não somente o das urgências do dia presente. Dele será exigida a
coragem de decidir, de mudar o Brasil.
Para tanto não
poderá ficar preso a seus discursos de campanha. Valores religiosos não são de
valia para a condução da economia, por mais que tenham validade em outras
esferas da vida humana. O País exige o que o próprio presidente chamou de
“reformas estruturantes”, dentre as quais a mais importante é a reforma da
Previdência. Sem ela o Brasil soçobrará. Com ela a Bandeira Nacional não
voltará a ser vermelha!”
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AGD
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