“Identidade
nacional
POR MERVAL
PEREIRA
No momento em
que a construção de um muro na fronteira do México tornou-se responsável por
uma crise institucional que se agrava nos Estados Unidos de Trump, a retirada
do Brasil do Pacto Global para a Migração, da Organização das Nações Unidas
(ONU), é mais um passo simbólico do governo Bolsonaro no reforço da idéia de
Nação, em contraponto ao globalismo que critica, seguindo os passos de seu
colega dos Estados Unidos.
As leis sobre
migração e refugiados continuam valendo, pelo menos por enquanto, e são consideradas
das mais avançadas existentes. Os refugiados venezuelanos que o digam. A idéia
de que "não é qualquer um que entra em nossa casa" parece razoável,
mas a insistência em romper os compromissos com organismos internacionais pode
nos levar a um isolamento que não afeta os Estados Unidos por ser a maior
potência global, econômica e militarmente.
Não é
estapafúrdia a definição de que "quem porventura vier para cá deverá estar
sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e
respeitar nossa cultura", como disse o presidente Bolsonaro no twitter.
Mas reflete uma
visão anacrônica do mundo que não as ideologias, mas a tecnologia levou a não
ter fronteiras, tudo está “nas nuvens”, sem passar pelas fronteiras físicas,
que se transformaram em proteções do território, não da identidade nacional,
culturas e hábitos inevitavelmente influenciados por movimentos globais.
Essa discussão
sobre identidade nacional traz de volta as teses do cientista político Samuel
Huntington, falecido há dez anos, para quem a identidade da América
anglo-protestante estava sendo ameaçada pela onda de imigrantes hispânicos,
que, ao invés de assimilar a cultura americana, estariam criando uma sociedade
bilíngüe, multicultural, erodindo e colocando em perigo, segundo ele, a
identidade nacional.
Para o cientista
político, a imigração mexicana está baseada na "reconquista
demográfica" das áreas que a América tomou à força do México entre 1830 e
1840. Ele via o multiculturalismo como ameaça à identidade americana, e definia
com uma frase cruel o que entendia por identidade americana: “You can’t dream
the american dream in spanish”. (“Não é possível sonhar o sonho americano em
espanhol”, em tradução livre).
Samuel
Huntignton considerava que as corporações globais são responsáveis por esta
falta de identidade nacional, já que seus responsáveis têm que se adaptar a
conceitos e modelos globalizados para progredirem na carreira. O chanceler
brasileiro Ernesto Araujo assume esse pensamento que Donald Trump recuperou na
política externa dos Estados Unidos.
Em
pronunciamentos e escritos no Facebook, ele se coloca ao lado de uma visão de
Ocidente “baseada na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura
das nações ocidentais”. Seu desejo confesso é “ajudar o Brasil e o mundo a se
libertarem da ideologia globalista”, que vê como um instrumento do “marxismo
cultural” que promove ao mesmo tempo “a diluição do gênero e a diluição do
sentimento nacional: querem um mundo de pessoas 'de gênero fluido' e
cosmopolitas sem pátria, negando o fato biológico do nascimento de cada pessoa
em determinado gênero e em determinada comunidade histórica”.
Araujo também
acha que hoje “é muito mais fácil encontrar um ocidentalista convicto no Kansas
ou em Idaho do que em Paris ou Berlim". A questão da imigração é tratada
pelo novo chanceler como uma causa infiltrada pela esquerda, destruindo, com a
defesa da imigração ilimitada, as sociedades européias e norte-americanas.
O presidente
Bolsonaro comprou essa tese, e afirma em seu twitter que o Brasil não se
sujeitará a “pactos feitos por terceiros”, numa referência à ONU e, por
extensão, aos organismos internacionais.
Seria mais
produtivo se a política externa desse mais atenção ao nosso soft power, com o
apoio à divulgação de nossos ativos culturais, do que à confrontação militar ou
econômica, seguindo os Estados Unidos numa tarefa impossível para nós.
A mudança da
embaixada brasileira para Jerusalém e uma base militar dos Estados Unidos em
nosso território, projetos aparentemente descartados ou adiados, trariam para o
país disputas geopolíticas que não nos dizem respeito diretamente, seja no
Oriente Médio, ou no confronto dos Estados Unidos com a Rússia na América do
Sul.”
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AGD
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