“O Brasil vai ter de se encarar
POR FERNÃO LARA MESQUITA
Que semana! O museu...
Bolsonaro... Da intolerância à selvageria a partir do “nós” contra “eles”, taí
a eleição mais crítica da História do Brasil com um pé na cadeia e outro na
UTI. Taí o Brasil feito Estado Islâmico passivo, o que destrói patrimônio da
humanidade não por ação, mas por omissão.
O que assusta no nosso país não é
o absurdo em si mesmo, é a dessensibilização para o absurdo a que chegamos.
Ardeu tudo como estava
re-prometido e realertado que arderia? Ouçamos o diretor temerário. O que
autorizou e conviveu com todas as gambiarras. O que se fez surdo a todas as
súplicas e a todos os alertas. Mas não para cobrá-lo, veja lá! Não sai da
televisão o homem que dirigiu o incêndio do nosso passado, mas para ditar-nos
regras sobre como preservar o nosso futuro!
Mantenha-se lá atrás, na moita,
intacta, a horda que não nos representa, mas que se nos quer impor. A horda a
quem entregaram a UFRJ como uma sesmaria particular, a ser explorada não só
como trampolim para o proselitismo do ódio, mas também para ser mamada. Deixem
quietos os que comem os R$ 3,1 bilhões por ano que o favelão nacional a duras
penas lhes entrega sem que mal e mal sobrem 50 contos por mês para zelar pela
parte que nos cabe do passado imemorial do Brasil e da humanidade.
Sim, o PSOL vive! Mas porque lhe
é dado permanecer na sombra...
E o condenado? Tá ou não tá?
Tribunais “superiores”? Tribunais “supremos”? Quanto vale a língua portuguesa
no universo das nossas instituições? O Supremo Tribunal Federal não é onde as
dúvidas acabam, é onde elas começam.
E então a facada...
Foi mesmo uma facada?
Nada a declarar! Chamem-se os
marqueteiros.
Que coleção de palavras vamos pôr
na boca do candidato, tendo em vista os públicos junto aos quais ele não vai
bem?
É um “lobo solitário”? Um
miserável? Um debiloide? Mas, e esses advogados todos desde o primeiro minuto?
Foi deus ou foi o diabo?
Não interessa a resposta que
possa haver. O que põe a desconfiança no ar é as perguntas não serem feitas.
Ó deus, os perigos são tão
grandes e a democracia tão pequena. Jornalismo é importante demais para ficar
nas mãos de quem tem medo de enfrentar ordens unidas...
Não, não é só aqui.
A internet deu a conhecer à
humanidade o que ela é, e ela está detestando o que vê. O mundo sem edição está
de ressaca de si mesmo. É por essa brecha que se esgueiram os quintas-colunas.
Não se aprendeu ainda a diferença entre o jornalismo, instituição da República
se e quando é jogo jogado com regras, e a balbúrdia da rede, essa reprodução
matemática da praça pública que como praça pública tem de ser ouvida. Nesta,
feita de bits, as palavras declararam tecnologicamente a independência do seu
contexto. Proporção, volumes, ênfases, tudo é “pós-produzível” como nunca. Todo
xingamento-vírgula da linguagem chula de todas as línguas pode ser eternamente
revisitado, amplificado, dissecado, monstrificado... e na viva voz do seu
próprio autor. O disse-que-disse das marocas vem impresso, vem gravado, vem ao
vivo. Até a cizânia hormonalmente dirigida é destilada com alcance global.
Qualquer ouvido está ao alcance de qualquer sussurro. Qualquer impropério se
salva para todo o sempre do oblivion. A automatização da repetição customizada
para cada ouvido é o triunfo dos goebbels de todas as cores. O idiota de Nelson
Rodrigues, cuja humildade se ancorava na solidão da sua incapacidade de
compreender, agora dispõe de ferramentas infalíveis de mútua identificação.
Descobriu-se maioria, e esmagadora. O “grupo” unido, jamais será vencido!
A vitória parece para sempre
liberta do convencimento. Os milênios de circuitos neurais estruturados pela
repetição deixam passar como checado e selecionado tudo o que aparece em letra
impressa ou em imagem gravada mais depressa que os raciocínios que, um por um,
têm de abrir as suas próprias picadas. Remar contra a maré passou de “elitismo”
a “fascismo”. O máximo que se tolera de quem se depara com o absurdo é uma
justaposição “plural”. De cretinices ou não, pouco importa, desde que mediada
por uma expressão absolutamente lobotômica. O debate político, ensina-se nas
escolas todas, e nas de jornalismo em particular, vem empacotado. Deve evitar
qualquer tipo de participação do cérebro. Por isso tem hoje, no Brasil e fora
do Brasil, a razoabilidade das discussões de casal.
Mas a realidade está aí fora,
rugindo, e não admite meias-solas. Quanto tempo poderá durar esse
esconde-esconde? Os humilhados e ofendidos estão sendo traídos na sua hora mais
escura, escancaradamente. 16,38%! Não é o esgotamento do Estado num país miserável
que apavora, é ninguém encarar de frente a causa do esgotamento do Estado que
põe o mercado em pânico.
E o tiroteio? Como vencer a
guerra do Brasil? A desesperança e o medo que se palpa no ar respondem menos à
gravidade desse desafio que à recusa em reconhecê-lo como o que é.
Mas agora que a “campanha
negativa”, de destruição de pessoas, está temporariamente interditada, que tal
experimentar o cotejamento de receitas? Bolsonaro, afinal, existe mais porque
dá alguma resposta do que pelas respostas que dá; porque reconhece os problemas
do tamanho que são mais que pelos remédios que propõe para eles.
A verdade está na cara. Não há
funcionário intrinsecamente bom nem funcionário intrinsecamente ruim; há
funcionário demissível e funcionário indemissível. Não há quem vote sempre
errado nem quem vote sempre certo. Existe democracia, onde o eleitor vota
antes, vota durante e vota depois do momento marcado para a eleição, e existe
essa fraude que só gera sangue, suor e lágrimas que os usurpadores de mandatos
impingem ao Brasil em nome dela.
Este país só vai ter cura se e
quando se encarar como o que é. Vai ter de parar, desembarcar acusadores e
acusados do “sistema” cujo comando todos disputam e extirpar, de comum acordo,
a raiz torta que lhe produz todos os galhos tortos. Só então vai poder embarcar
de novo numa navegação que tenha rumo.”
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