“Candidato tutelado
POR MÍRIAM LEITÃO
Terminou ontem [anteontem] o ato
que todos sabiam como iria acabar. O ex-prefeito Fernando Haddad foi anunciado
como candidato do PT à Presidência da República para, se vencer, exercer o
poder em nome de Lula e com o Lula. O ex-presidente continua sendo a primeira
pessoa, agora na chapa encabeçada por Haddad. Na carta, o próprio ex-presidente
definiu: “Haddad é meu representante nessa batalha.” Ele fica assim numa
situação inusitada, só comparável ao que aconteceu com Héctor Cámpora na
Argentina.
Cámpora assumiu em maio de 1973,
depois de ter vencido as eleições como representante de Juan Domingo Perón.
Ficou dois meses no cargo, permitiu a volta do ex-presidente, renunciou e
convocou novas eleições, que elegeram Perón. A diferença entre os dois casos é
que Cámpora tentava contornar o veto militar ao ex-presidente. Aqui, o que
impede Lula de ser candidato é uma lei que ele mesmo sancionou, e em cuja
tramitação o PT teve papel central. A impugnação de Lula é decorrência de uma
lei democrática e não uma conspiração das elites, como disse ontem o candidato
Fernando Haddad.
Só havia pessoas brancas no campo
de visão da imagem transmitida pelo PT, quando Haddad relacionou, entre os
vários motivos pelos quais Lula estaria sendo impedido, o de ter permitido a
ascensão dos negros. “Será que é porque eles tiveram que se sentar com um negro
no avião?” perguntou. Outro motivo teria sido a reação da elite ao fato de o
partido ter tirado o Brasil do mapa da fome.
Demagogias assim são comuns em
período eleitoral. Normalmente, elas se chocam com os fatos. A Pnad de 2015
mostrou que, no último ano que o PT governou o Brasil, nos 12 meses, a renda
dos 10% mais pobres caiu 7,1%. A recessão provocada pelo próprio PT levou à
inflexão no movimento virtuoso de redução da pobreza, que havia começado com o
Plano Real e se acentuado com os programas sociais da era Lula.
Haddad dirigiu-se a quem “está
sentindo a dor de não poder votar em Lula” e ofereceu-se como interposta
pessoa. Voltou a repetir o clichê de que “Lula fez o que eles não conseguiram
fazer em 500 anos”. Esse “eles” inespecífico faz parte da estratégia política
do PT. Assim o eleitor entende como quiser. “Nós temos um líder”, disse Haddad,
mais uma vez subserviente. E disse que quer “olhar no olho do povo” para
lembrá-lo dos bons tempos do Lula.
Do lado, séria e sem olhar na
direção de Haddad, a ex-presidente Dilma foi citada rapidamente. A estratégia
do partido é avivar a memória do período de crescimento no governo Lula e
apagar a lembrança de que a recessão começou no período Dilma. A narrativa do
PT é que ela cometeu erros pontuais, mas foi impedida de governar pelos que
perderam a eleição de 2014. A verdade é bem mais complexa. Nos anos de
crescimento do governo Lula, a política de ampliar o gasto público foi a
semente da crise aprofundada pelos erros da gestão Dilma. Na última eleição, a
economia já estava em forte desaceleração, na véspera de cair na recessão no
começo de 2015.
A aposta petista é que a memória
brasileira é curta e o eleitor, ferido pela recessão e pelo desemprego, verá
Haddad como o novo rosto de Lula. O ex-ministro precisou da autorização
expressa de Lula para dar cada passo que deu. E será, até o fim, um candidato
tutelado a partir de uma cela da Polícia Federal em Curitiba. Até agora,
conseguiu um feito importante que foi vencer as muitas correntes internas do
PT. Tem apenas 26 dias para convencer o eleitorado a levá-lo ao segundo turno.
As duas principais campanhas
continuarão sem seus titulares. O candidato do PSL permanecerá no hospital ou
em recuperação. O PT deixou claro ontem, mais uma vez, por atos e palavras, que
é Lula quem decide e manda. Nesta estranha campanha, tanto Lula quanto
Bolsonaro conseguiram transformar seus dramas em alavancas. O PT apresenta a
prisão de Lula como uma punição injusta que ele recebe por ter distribuído
bondades ao povo. Bolsonaro, depois de meses de defesa de um projeto belicoso,
subiu na esteira de um ataque a faca que sofreu. O Ibope de ontem mostrou que
Bolsonaro subiu quatro pontos, desde a última pesquisa, e está com seis pontos
a mais na espontânea. Sua rejeição caiu pouco, apenas 3 pontos, e ainda é a
mais alta, 41%. Nada está cristalizado, contudo. O voto ainda é volátil e vai
se mover em várias direções nos próximos dias.”
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