“Falta uma pitada de revolução
POR FERNÃO LARA MESQUITA
O maior trunfo de João Amoedo e
seu Partido Novo são os obstáculos que ele próprio interpôs entre ele e o poder
e o que mais há de contraintuitivo na sua candidatura. Porque um homem que
declara R$ 425 milhões de patrimônio se volta para a política no país onde ela
é pouco mais que um meio para enriquecer? Como um partido desconhecido pretende
ser votado se, com não mais que 5 segundos de televisão, veda a absorção de
políticos eleitos por outros e proíbe qualquer coligação que possa aumentar sua
exposição?
Mas são também as contradições
que o retiram do saco onde estão os outros que deixam sem solução o problema do
timing.
Se houvesse no programa do Novo
um componente tão claramente revolucionário que a exigência de adesão a ele
confirmasse acima de qualquer suspeita a repulsa ao fisiologismo, ficaria
aberta a porta a um crescimento legítimo em tempo hábil para um país que já não
pode esperar, e tudo poderia acabar sendo diferente. Mas o Novo não foi muito
além das suas normas internas, o que não é pouco, mas não é o bastante. Exigir
ficha limpa, recusar o uso de dinheiro público em benefício próprio, reduzir
luxos e mordomias, extinguir ministérios, acabar com o toma lá dá cá, eliminar
privilégios da corte, tirar o Estado do papel de empresário são itens tão
clamorosamente requisitados nesta altura da desgraça nacional que quase todos
os candidatos, com variações de ênfase aqui e ali, os incluem entre suas
promessas. O que torna críveis as de João Amoedo, é verdade, é o rigor com que
tem exigido dos seus quatro vereadores eleitos a frugalidade que prega. As
normas operacionais internas do partido são indiscutivelmente inovadoras. Mas
qual a norma operacional inovadora que o Novo oferece para gerir um país que
precisa se reinventar de cabo a rabo?
Reformule-se a pergunta na
linguagem dele. O profissional de finanças João Amoedo investiria o dinheiro
dos seus clientes numa empresa tendo como garantia somente a enumeração das
“metas de curto prazo transformáveis em bônus” (no caso, eleitorais) pelo
“executivo da hora”? De jeito nenhum! O que ele examinaria com lente antes de
se tornar acionista seria o quanto essa empresa adota das melhores práticas
internacionais de governança e os mecanismos por ela criados para antecipar-se
às demandas de seus clientes e impedir a acomodação de seus quadros na busca da
inovação permanente, pois ele bem sabe que é isso que cria uma “cultura” que
sobrevive às pessoas e dá às empresas condição de crescer de forma sustentável
na era da disrupção.
A ausência de um componente que
emule essa parte da experiência profissional de seu criador é a falha mais
visível no projeto do Partido Novo.
Como governar com esse Congresso?
No debate político brasileiro até as perguntas são conformistas. E esta, que os
jornalistas repetem a todos os candidatos, telegrafa a resposta do costume –
“Com a renovação de todos os políticos eleitos” – que implicitamente isenta “o
sistema” e põe a culpa pela desgraça nacional nas suas vítimas, que sempre
“votam errado”. Olimpicamente, perguntados e perguntadores ignoram o pormenor
de que a essência do “sistema” – este ao toque do qual tudo quase imediatamente
apodrece – é não permitir renovação.
A questão que interessa é como
manter o Congresso, que hoje pode dar-se o luxo de jogar contra, jogando a
favor do povo sempre? E mais: como tornar o Judiciário passível de
responsabilização sem comprometer a sua desejável independência, para que não
continue revertendo todas as reformas que o País consegue fazer literalmente
movendo montanhas? Estas, sim, definem quem vence o duelo final que se
aproxima, as corporações donas do Estado sob a “nova direção” de turno, ou o
Brasil que paga essa conta leonina cada vez com mais sangue que suor.
O Partido Novo propõe-se a trazer
o Brasil para o século 21 e chega à arena mais fresco e livre de senões do que
todos os seus oponentes. Mas ninguém conseguirá realizar essa proeza sem
implementar antes as revoluções dos séculos 19 e 20 que o Brasil pulou. Sim, o
que pode haver de mais tóxico para o feudalismo maquiado à brasileira, no qual
o favelão nacional sustenta o luxo da corte e filho de cacique cacique é, é
submetê-lo ao que há de mais velho na democracia moderna. Igualdade perante a
lei, separação dos Poderes com o objetivo de controlar o Estado e garantir os
direitos individuais, designação do esforço investido por cada um na obra
coletiva como único meio de legitimação da diferença. Todo o receituário do
século 18, enfim, faz parte do credo que o Partido Novo afirma e que está
inscrito até na nossa Constituição. Só que para fazer deles mais que um belo
discurso foi preciso, na virada do 19 para o 20, mudar o poder de dono, levando
à sua expressão mais objetiva e concreta o princípio decisivo da hegemonia do
povo. Voto distrital puro para garantir a fidelidade da representação do País
real no País oficial e para tornar operacional mudar com segurança no ritmo da
necessidade, direito de retomada de mandatos e referendo das leis dos
Legislativos a qualquer momento para lembrar sempre quem é que manda, eleições
de retenção de juízes para prevenir marchas à ré. Mas esse complemento, que fez
da revolução prometida uma revolução de fato, é a parte que está ausente da
pregação do Novo.
Uma pena! Na falta do que
carregue a carga revolucionária que o Brasil tem dado todos os sinais de estar
procurando, resta ao eleitorado esquecer a proatividade e orientar-se
defensivamente. A prioridade zero passa a ser votar como for preciso para
garantir a vitória do campo democrático sobre o campo venezuelizante e renovar quadros
do presidente para baixo para abrir caminho a mudanças futuras fica como
segunda prioridade porque orientar-se por nuances e diferenças apenas de tom,
por mais afirmativas e verossímeis que sejam, são luxos de quem já tem
garantida pelo menos a natureza do regime.”
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