“Escolhendo um candidato
Por Leandro Karnal
Vamos reconhecer: mal entramos na
corrida eleitoral e já estamos muito cansados de tudo relativo à política.
Admiro os apaixonados pela área. Sei que o mau político precisa do tédio dos
cidadãos. O desinteresse, advertia o velho Brecht, é gerador do balcão de
negócios atual. Os candidatos não são todos iguais, porém os corruptos necessitam
do descaso da maioria.
Sim, devemos votar de forma
consciente, cobrar programas bons, participar, protestar quando necessário e,
sentindo condições e desejo, até ingressar na carreira política. Eu nunca fiz
registro em partido político. Jamais panfletei em eleições. Sempre fiz
distinções: havia candidatos melhores do que outros (geralmente menos ruins) e
eu buscava votar com a máxima consciência, jamais o fiz com entusiasmo.
Sim, eu sei que não existe
neutralidade. Qualquer historiador sabe disso. Nunca me considerei neutro.
Sempre tive clareza absoluta da necessidade de causas diretas como a educação,
o combate ao racismo e necessidade do senso crítico em sala de aula. Sempre
defendi a liberdade sem associá-la a um partido. Nunca usei a camiseta de um partido,
ainda que apoie qualquer pessoa que o faça como manifestação da sua convicção.
Há ocasiões nas quais eu me
imagino como um cidadão da Cracóvia, em 1940, a quem perguntassem: você prefere
a Alemanha nazista ou a URSS? Insistiria: prefiro a Polônia sem ditadores.
Quando eu digo que odeio totalitarismos de direita nunca, em hipótese alguma,
significa que eu defenda totalitarismos de esquerda. Há vida fora dessa roda de
hamster amestrado do nosso cenário.
Acima de tudo, quero manter a
grande e árdua conquista: o Estado Democrático de Direito. Por tal convicção,
não posso escolher candidatos que não denunciem o crime contra o povo da
Nicarágua ou da Venezuela. São ditaduras corruptas que massacram sua população.
Da mesma forma e pelo mesmo motivo, nunca apoiarei um candidato que defenda a
ditadura no Brasil, seja no Estado Novo ou no período 1964-1985. Odeio
ditaduras, tanto as vermelhas como as verde-amarelas. Distinguir ditadura de
esquerda ou de direita é como classificar se o crime foi doloso ou culposo.
Para o tribunal, a distinção é importante, para a vítima morta é irrelevante.
Daí surge o argumento mais irracional: aquele sistema matou mais que o outro!
Se número for critério moral, todo assassino preso deve ser inocentado, pois
matou menos do que Mao, provavelmente o maior genocida da história. Abomino
morte e tortura, de um, de cem ou de 20 milhões. Sim, sei, não são ideias que
agradem muito a torcidas organizadas em paralelas de cores diferentes muito
mais semelhantes do que seus adeptos imaginam.
Acredito na liberdade individual
e também em um Estado menor no setor burocrático e muito maior no setor da
saúde e da educação. Odeio ditaduras em Cuba ou no Brasil. Abomino Maduro e
Pinochet. Serei petralha ou coxinha? Eu sempre me considerei um humanista, mas
a democracia permite que você crie seu julgamento e etiqueta. Não ser amigo da
invasão alemã ou soviética é ser “isentão”. Considerando quem a usa, agradeço
sempre o elogio. Os não isentos defendem seu corrupto e seu ditador com os
mesmos critérios com os quais detonam alheios. Precisamos defender princípios e
não pessoas, valores e não conjunturas políticas.
Aqui registro os meus primeiros
critérios para caminhar a uma futura escolha de candidato. Ela/ele deve
condenar violações ao Estado Democrático de Direito em qualquer lugar e de
qualquer coloração. Deve ter o princípio democrático como guia e jamais
deslizar para o relativismo: quando mata quem eu não gosto pode, quando mata
quem eu gosto não pode. É impossível que eu valorize alguém que se enquadre na
ironia criada por Millôr: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é
quando você manda em mim”. Não existe justificativa para ditadura, ela é sempre
um equívoco, antro de covardes, ninho de mediocridades infindas e destruidora
de valores éticos. Todo ditador é imbecil e todo defensor de ditadura um
mau-caráter.
Sistemas abertos são cheios de
conflitos e por isso são férteis. Democracias são barulhentas. Ditaduras têm o
silêncio dos cemitérios. Discorda de mim? Excelente. Sabe por que podemos
discordar livremente? Porque temos liberdade.
Por fim, meu desejo mais estranho
para tantos polarizados. Não apenas suspiro por uma democracia plena e
promotora de justiça social, também adoraria que nosso debate não fosse focado
no chefe do Executivo. Adoraria que a mesma energia que tantos dedicam à
corrida presidencial contaminasse a escolha de deputados e senadores. A
verdadeira democracia nunca deveria ser centrada em indivíduos, ao contrário da
tradição ditatorial. Um Messias pode vir do céu, jamais do Palácio do Planalto.
É preciso ter esperança.”
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