“A desgraça dos números primos
Por Monica De Bolle
O dia do mês em que este artigo
será publicado, 19, é um número primo. Para quem não lembra, números primos são
aqueles que só podem ser divididos por eles próprios, ou pelo número 1. Números
primos são responsáveis por inúmeros problemas matemáticos e conjecturas até
hoje sem solução. Matemáticos ainda não foram capazes de encontrar nenhuma
regularidade ou padrão na sequência infinita de números primos existentes.
Sobre os mistérios dos números primos, disse o matemático, físico, e astrônomo
suíço Leonhard Euler no século 18: “A matemática tentou em vão descobrir alguma
ordem na sequência de números primos, e temos motivos para crer que esse é um
mistério impenetrável para a mente humana”. Entre todos os números primos há
sempre números pares que impedem que se toquem. Entre os primeiros dez números
primos está o número 13, imediatamente seguido pelo número 17.
Tínhamos o 45, o 18, o 12. Também
tínhamos o 30 e o 15. Todos números afeitos à composição, todos provenientes da
multiplicação de pares de outros números que não eles próprios ou o singular
dígito 1. Infelizmente, nas eleições brasileiras, já não cabem os arranjos, a
conciliação de diversos, a estruturação em conjunto. Em meio à paranoia, às
teorias conspiratórias, à confusão, e à desordem, parece claro que os números compostos
estão prestes a cair no esquecimento do eleitorado brasileiro. Movimenta-se a
população em direção àqueles números que se reduzem apenas a si mesmos ou ao
isolamento unitário.
Como seriam os governos de
números primos? Parte da resposta está em sua própria definição. Grandes
dificuldades na composição com o Congresso, imensos desafios para alcançar a
necessária conciliação do eleitorado brasileiro, a possibilidade de que testemunhemos
um distanciamento ainda mais profundo entre as pessoas. Números compostos
também enfrentariam problemas assim, não sejamos ingênuos. Contudo, as
características dos números primos sugerem que suas dificuldades serão maiores.
Tomemos os números em sequência,
começando, portanto, com 13. Há um imenso conjunto da sociedade brasileira que
está enojada com o 13. Culpam o número por todos os problemas que o Brasil
atravessou nos últimos anos, desde a crise de 2015-2016 até a eleição
polarizada, a ascensão de militares da reserva, e a falta de opções viáveis
para o voto iminente – passando, é claro, pela Lava Jato. Muitos dizem que o 13
é a razão única para apoiar 17, ainda que tal número seja controvertido, ainda
que tenha apresentado vices e defensores com algum desprezo pela democracia,
ainda que o próprio 17 tenha já manifestado o mesmo desprezo. Para esses, o 13
é o que há de mais vil na política brasileira, aquilo que não dá para cogitar,
mesmo que o risco institucional associado ao 17 exista. Um governo de 13,
portanto, careceria do apoio de boa parte do setor privado brasileiro, com ecos
evidentes no Congresso. Sem apoio, difícil seria a tarefa de dar alguma ordem
às contas públicas brasileiras. Mercados em turbulência constante, além de
possíveis manifestações de seguidores e apoiadores de 17, alguns mobilizados
pela falsa advertência de que se 13 porventura vencesse, as eleições teriam
sido manipuladas, tornariam esse governo inviável.
O que passaria com 17? Da mesma
forma que existe contingente mobilizado contra 13, as falas inflamadas de 17 e
de seus companheiros militares da reserva aglutinou profundo repúdio em outras
camadas da população. Camadas que já estavam mobilizadas pelo assassinato de
Marielle Franco, pelas declarações do vice, pelos temores de que o viés
antidemocrata possa acabar resvalando para o estranho fenômeno das democracias
iliberais que testemunhamos mundo afora: na Turquia, na Polônia, na Hungria,
nas Filipinas. A diferença apenas é que o sabor seria tropical. O governo de 17,
portanto, se assemelharia bastante ao de 13, marcado por alto risco de
ingovernabilidade, de turbulências financeiras, e por imensas dificuldades de
implantar qualquer agenda de melhorias para o País.
Portanto, a escolha que se coloca
diante dos eleitores brasileiros é: caos de esquerda ou caos de direita? Caos
de 13 ou caos de 17? Risco institucional ou risco institucional? Eleições entre
números primos, afinal, só poderiam mesmo gerar resultados irredutíveis na sua
semelhança.”
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