“A rebelião
aqui, ali e em todo lugar
POR JOSÉ SERRA
As eleições
parlamentares italianas realizadas no domingo reafirmaram que estamos vivendo
em vários países uma espécie de rebelião dos eleitores contra as elites e o
establishment. O Movimento 5 Estrelas foi o grande vencedor individual, com um
terço dos votos, embora a coalização de dois partidos com forte apelo regional
e autonomista, do espectro da centro-direita, tenha obtido votação ligeiramente
superior.
Pelo menos
desde o Brexit – a decisão dos eleitores do Reino Unido, em plebiscito, de sair
da União Europeia, em 2016 – esse padrão tende a repetir-se: a população
rejeita as propostas e, principalmente, as formas de atuação dos partidos
tradicionais. Na França, no ano passado, a vitória marcante do movimento de
Emmanuel Macron, A República em Marcha, quase dizimou os partidos até então
hegemônicos. A eleição de Trump também pode ser tida como expressão desse
mal-estar das pessoas comuns com os rumos da política e das instituições.
É evidente que
em cada um desses países a vaga de protesto e de mudança assume formas
diferentes, pois responde também às peculiaridades locais. Não há uma clara
identidade ideológica entre esses vários movimentos, embora existam alguns
traços em comum. E não se trata apenas de repulsa aos atores estabelecidos.
Temos ainda um declínio continuado de participação nas eleições. Na Itália, a
última eleição teve o menor comparecimento desde a volta à democracia no
pós-Guerra.
Certamente a
ampliação de desigualdades de renda gerada pela automação e pelo declínio do
emprego fordista é parte da explicação. O aumento da competição causada pela
globalização força ajustes fiscais que reduzem direitos e proteção social. Não
é por acaso que esses movimentos têm caráter protecionista, antiglobalista e
anti-imigração.
E o Brasil? O
que se passa com nossa política e seus mecanismos de representação?
Os diagnósticos
são praticamente unânimes. A população não se sente representada nem pelos
partidos nem pelos Parlamentos – seja no nível federal, estadual ou municipal.
Na verdade, nosso sistema eleitoral é caríssimo e incapaz de formar maiorias
vigorosas que toquem a pauta desejada pela maioria. Ganham espaço as coalizões
de veto por interesses ultraminoritários, não raramente corporativistas e
patrimonialistas.
Superar a
inadequação do nosso sistema eleitoral, portanto, deveria ser a grande
prioridade política em nosso país, ao lado de um ajuste fiscal que não
penalizasse os mais pobres e o combate à criminalidade.
Nossas eleições
para deputado são disputadas por Estados, que se tornam assim imensos colégios
eleitorais. O custo das campanhas é altíssimo, pois cada candidato tenta
conquistar votos em toda a circunscrição. Mas o alto preço desse modelo, com
seus corolários – corrupção e patrimonialismo –, não se resume à esfera
econômica. Na esfera propriamente política, a cada eleição o sistema eleitoral
gera representações mais fragmentadas e menos orientadas por linhas
programáticas.
O quadro de
fragmentação não é tendência recente na política brasileira, mas se aguçou com
a decisão do STF, em 2006, de não permitir a introdução das cláusulas de
desempenho. Hoje temos nada menos que 25 partidos com representação na Câmara.
E isso não conta toda a história da proliferação partidária: nada menos que 73
(!) partidos estão em processo de formação no TSE, além dos dez que, já
instituídos, não contam com representação na Câmara. E cada agremiação pode
oferecer até duas vezes o número de vagas para cada cargo proporcional, o que
leva os eleitores a se defrontar com listas de milhares de candidatos.
Esse é um dos
aspectos mais deletérios do atual sistema eleitoral. Os concorrentes se
amontoam na disputa, provocando os alaridos próprios do marketing, mas não o
confronto de ideias e propostas. No ambiente de balbúrdia, penetram os
candidatos folclóricos, os representantes de corporações bem organizadas e os
líderes de microfacções sem representatividade, mas espraiadas geograficamente
e com muita motivação ideológica.
Não é surpresa
que os Parlamentos se tornem cada vez mais fragmentados e desconectados das
demandas da população. Sem claras diretivas programáticas os partidos acabam se
tornando, no essencial, entrepostos de distribuição de favores e bastiões de
resistência das minorias que teimam em garantir privilégios e nacos da renda
estatal.
Na direção da
mudança desse quadro adverso é preciso forçar, até com teimosia, a introdução
de solução simples e já testada em vários países, com excelentes resultados: o
voto distrital misto. Esse sistema é capaz de contemplar proporcionalmente as
correntes de pensamento mais representativas, incluindo minorias relevantes,
mas cumpre também o papel essencial de produzir maiorias capazes de implementar
programas demandados pela população.
No sistema
distrital misto o custo de uma campanha se reduz a uma fração pequena dos
custos atuais. A área de abrangência geográfica da campanha passa a ser o
distrito. No caso de grandes regiões metropolitanas, os candidatos poderão
fazer campanha literalmente na sola do sapato. As técnicas de marketing – com
seus custos astronômicos – se tornarão obsoletas, pois com o reduzido número de
candidatos por distrito (apenas um por partido ou coligação) não haverá
necessidade de bombardear o eleitor com folhetos, “santinhos” e aparições
relâmpago no programa eleitoral. Livre do tumulto de milhares de candidaturas,
o eleitor poderá avaliar com calma as diversas propostas. Esse ambiente não
recompensará, como hoje, candidatos folclóricos, de corporações e
representativos de microfacções.
O voto
distrital misto, constante do PLS 86, de 2017, já foi aprovado no Senado e
agora entrará em debate na Câmara dos Deputados. Estou confiante em que a
Câmara aprovará a matéria, de forma que em 2022 a escolha de deputados federais
e estaduais será feita de acordo com o novo modelo, mais barato, mais simples e
mais capaz de dar voz de verdade ao cidadão.
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AGD
comenta:
Pensando
bem, o sistema eleitoral do Brasil já nos gerou tantos problemas que seria
impossível, hoje, sua defesa. O problema é que não temos tempo de modifica-lo
para as eleições de 2018.
Para
mim, o Sistema Distrital Puro, que nada mais é do que eleger o mais votado em
cada distrito para todos os cargos representativos. O problema da divisão do
País em distritos seria muito menos custosa do que a permanência naquilo que
estamos, onde, sinceramente, é difícil me lembrar em quem votei para deputado
estadual.
O
Sistema Distrital Misto, que o Serra propõe, no texto acima, é um meio termo
entre o Distrital Puro e o Sistema Proporcional nosso de cada dia, onde se elegeriam
vereadores e deputados, metade por um, metade por outro.
Não
posso afirmar que não seria um avanço sobre o que nós temos hoje, que faliu,
por excesso de criminosos e ladrões do dinheiro público. No entanto, pergunto:
Por que não começarmos logo pelo melhor?
O Sistema
Distrital Puro é o que é aplicado em alguns países como Estados Unidos e
Inglaterra, sendo que o que mais me impressiona em termos de eficiência, é o
americano, por ser complementado pelo que eles chamam de “recall”,
que é a possibilidade de botar para fora um ou mais parlamentares que “mijem
fora do caco”, como vem ocorrendo no
Brasil.
Um
percentual da população de cada distrito pode fazer o “recall”
e caso o meliante perca, pode ser substituído. Em qual distrito estaria o Renan
Calheiros com mais de 10 processos na Justiça? E o Collor? E tantos outros caçados
pela Lava Jato?
Tenho
certeza já estaríamos livres destes e de outros que mesmo não sendo corruptos,
não têm nenhuma capacidade para serem um parlamentar. E se o Tiririca ou o
Romário, por exemplo, fossem eleitos, aí sim, seria a vontade do povo que os
conhecem como possíveis parlamentares produtivos e não como palhaço ou jogador
de futebol.
Mas,
por enquanto, até outubro, o jeito é pensar e aplicar, pelo menos teoricamente
quem não queríamos, em pouco tempo, mandar de volta para casa. Hoje, é difícil
imaginar um que não deveria voltar.
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