“Educação e
democracia. O que vem primeiro?
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
Há no YouTube a
gravação de um debate sobre a decadência da qualidade da educação nos Estados
Unidos de que já recebi cópias pelo menos uma dezena de vezes. Nele Michio
Kaku, um divulgador da ciência célebre naquele país, adverte que “ela é o motor
da prosperidade que só não entrou em colapso nos Estados Unidos ainda porque o
país dispõe de uma arma secreta, o H-1b”, que vem a ser o “visto especial para
gênios” que o governo concede (ou concedia até Trump) com largueza suficiente
para fazer do país um “ímã que suga todos os cérebros do mundo”.
Isso é menos de
metade da verdade. Se transformar-se num “ímã” de cérebros privilegiados fosse
apenas uma questão de conceder vistos facilitados, ninguém teria problemas em
conseguir o mesmo efeito. Os Estados Unidos atraem os cérebros mais brilhantes
do mundo pela mesma razão pela qual o dólar é a moeda de referência e
sustentação de todas as outras. Porque o seu sistema de governo é o único onde
a vontade de um presidente sozinho não pode nada e a vontade popular realmente
impera. É porque o país dispõe de instituições montadas para permitir que a
vontade dos representados seja imposta aos seus representantes (a saber: voto
distrital puro, eleições primárias diretas, recall, referendo, iniciativa, e
eleições de retenção de juízes), que o sistema se torna disposto a e capaz de
corrigir erros. E isso porque “erros” persistentes nunca são função de enganos
genuínos, mas sim da condição dada a uma oligarquia para criar e manter
privilégios manipulando instituições calculadamente entortadas para lhe dar
esse poder.
O cidadão
exerce a sua liberdade, na prática, na sua dimensão de produtor e consumidor na
medida em que possa escolher entre patrões e fornecedores competindo entre si
por sua preferência. O resto é poesia. Já os déspotas, depois do surgimento das
armas de extinção em massa, deram-se conta de que entrar no jogo econômico é o
único modo de projetar poder internacionalmente e continuar vivo. A diferença
essencial entre os capitalismos de estado e o capitalismo democrático está,
portanto, nos objetivos que se propõem. O primeiro visa o bem-estar do
indivíduo que depende do estado impor limites ao capital em nome da preservação
da concorrência que garante a liberdade individual. O outro requer a
concentração dos poderes do capital e do estado nas mesmas mãos e a sujeição de
tudo o mais ao objetivo de projetar internacionalmente a hegemonia que o
ditador e seu grupo já exercem internamente. Um só pode avançar com benefício
de todos pelos acrescentamentos da inovação que depende da garantia da
propriedade intelectual pelo estado. Os outros impõem-se pela lógica do
monopólio que tem no pirateamento das invenções alheias e na exploração pelo
estado da sua condição de único empregador a vantagem competitiva que lhes
permite esmagar concorrentes pelo mundo afora.
Quando, porém,
esses expedientes ou outra causa qualquer produzem turbulências na economia
mundial, as chinas todas, para proteger os lucros acumulados que são a munição
da sua guerra pela hegemonia econômica, correm para abrigar-se... nos títulos
do governo americano. Por quê? Porque ele é o único do mundo que não tem o
poder de calotear seus credores internos, que contam com instituições que os
fazem mais fortes que o próprio governo, o que redunda na extensão dessa mesma
garantia aos credores externos. As explicações conspiratórias e “imperialistas”
para a força do dólar são mentirosas. Ele é o que é em função da qualidade das
instituições do país que o emite.
Assim também os
“gênios” do mundo. É para os Estados Unidos que eles afluem não porque seja fácil
conseguir um visto, mas para fugir de governos como os das chinas do mundo onde
os ditadores da hora podem fazer de seus súditos o que bem entenderem quando
bem entenderem, o que torna impossível a liberdade, a estabilidade e a
continuidade que a pesquisa pura e a verdadeira inovação requerem.
No Brasil é voz
corrente que instituições de qualidade são produto de uma boa educação e que
como não temos uma boa educação jamais teremos instituições de qualidade.
Historicamente, entretanto, a ordem desses fatores tem sido a inversa. A boa
educação é que é consequência da conquista de boas instituições. A “educação”
patrocinada pelos regimes estabelecidos está sempre casada com a religião, vale
dizer, com o dogma oficialmente aceito, o único livre de repressão. E sua
função é reproduzir o sistema instituído. Lutero primeiro denuncia o dogma que
sustenta as instituições anteriores. E para se compor com os príncipes que
queriam se livrar do papa, exige educação gratuita e obrigatória para todos. Na
Inglaterra seiscentista, igualmente, é só depois que a volúpia de Henrique VIII
institui a liberdade religiosa e “legaliza” a convivência com a diversidade de
crenças que se abre o espaço que vai ensejar o nascimento da ciência moderna.
Nas experiências asiáticas, mais recentes, é sempre o déspota esclarecido que
denuncia o dogma anterior (o socialismo). Só então abre-se o caminho para a
reforma da educação que, mais adiante, consolida a mudança.
O Brasil mantém
“petrificada” a sua miséria medieval muito mais graças ao desconhecimento
meticulosamente construído das curas disponíveis mediante um controle estrito
da educação e da mídia que por uma recusa consciente da população a tomar os
“antibióticos institucionais” que poderiam facilmente curá-la. E essa afirmação
de que “estudar medicina” seria um requisito prévio para que esses remédios
façam efeito aqui faz parte da mentira de quem nos quer para sempre doentes.
Eles curam quem quer que os tome, independentemente do que lhe tenham
“ensinado” na vida.
Uma boa educação
requer, de qualquer maneira, no mínimo duas ou três gerações. O atalho
obrigatório, que é o que abre caminho para ela, é ousar na reforma das
instituições.”
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AGD
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