“Não há plano,
faz-se um plano
POR FERNANDO
GABEIRA
Planejava
escrever mais um artigo sobre política de segurança nacional, tal como espero
que seja discutida em 2018. Celso Rocha de Barros, em sua coluna na Folha, me
fez uma pergunta pertinente: afinal, qual a intervenção que apoio? Já tratei
parcialmente do tema em artigos anteriores. Mas não gostaria de parecer vago a
respeito do lugar onde vivo, sobretudo diante de um interlocutor qualificado.
Defendo uma
intervenção completa num governo em ruínas. Mas já que se deu apenas no campo
da segurança e tem como instrumento o Exército, ela deve deixar bem claro o
momento de terminar. Esse marco final não é definido pela rigidez do
calendário, mas pela execução da tarefa: reduzir, ainda que modestamente, os
índices de criminalidade e reestruturar a polícia para que possa cumprir sua
tarefa. Nesse campo, dois pontos são essenciais: o combate à corrupção, pois
ela enfraquece as chances de reduzir a criminalidade; e dotá-la de
equipamentos, treino e meios técnico-científicos de investigação.
Desde repórter
policial, ainda garoto, percebia que a polícia estava atrás de seu tempo. Foi
uma opção da sociedade brasileira, que subestimou sua importância. Essa escolha
é uma fonte de violência, pois sem inteligência e métodos de investigação a
busca de alguma eficácia induz à tortura e à intimidação. No caso da polícia do
Rio de Janeiro, existe ainda uma questão elementar: pagar os salários em dia.
Quanto aos
métodos, defendo uma intervenção que não veja as favelas como território
hostil, mas como território amigo controlado por forças hostis. Isso implica o
compromisso de respeitar as pessoas, algo que alguns já percebem também como o
desejo dos militares.
E quais são as
forças hostis? Os grupos armados ocupando territórios: traficantes de drogas,
que se desdobram em ladrões de cargas, e as milícias, que vendem segurança, gás
e transporte alternativo.
Sou contra a
ocupação militar das comunidades. Há anos afirmo que nem o Exército chinês
exerceria folgadamente essa tarefa. São mais de 800 só na capital, sem contar a
Baixada Fluminense e cidades médias, como Campos e Macaé.
Como combater
esses grupos sem ocupar? Essa é uma questão que inteligência e meios técnicos
podem responder ao menos parcialmente. A tática de ocupar as comunidades leva
os grupos armados a utilizar, instintivamente, um princípio da guerrilha:
dispersar quando o inimigo se concentra, concentrar-se quando ele se dispersa.
Em 2010, no
contexto da campanha política, traçamos um mapa da ocupação armada no
território do Rio, indicando quem a dominava. Esta semana recebi um esboço que
mostra como a mancha de território ocupado se expandiu.
Defendo também
uma intervenção que estimule, por sua presença, o avanço da Lava Jato sobre o
mundo político do Rio. Há muita coisa a fazer, até porque o atual governo era
parte do esquema criminoso de Sérgio Cabral.
Finalmente,
afirmei que a sociedade, que já se movimenta, via aplicativos como Onde Tem
Tiroteio e Fogo Cruzado, poderia ajudar as forças de intervenção. Mas
precisaria conhecer seu plano.
Os militares
foram convocados de surpresa e precisam estudar melhor o quadro. E de mais
treino no contato com a imprensa, que não é de seu cotidiano
Tenho
consciência de que o governo Temer é impopular e terá grandes problemas com a
Justiça quando perder o foro privilegiado. Mas sinto que vivemos no Rio uma
situação emergencial. Outros Estados também sofrem com a violência. Constatei
isso no Amazonas, no Maranhão, em Alagoas e pretendo mostrar os casos do Ceará
e do Rio Grande do Norte.
Mas em nenhum
ponto do País perdemos tanto território para grupos armados.
Os números
sobre mortes no Brasil, superando os de muitos países em guerra, já eram um
argumento para o tema subir ao topo da agenda nacional. Temer é o presidente
que existe, o único capaz de convocar as Forças Armadas. Se alguém acha isso um
golpe de mestre político, é porque tem visão curta.
O próprio
Exército, com alta credibilidade, não se lançaria numa tarefa dessas para
salvar um governo com alguns já na cadeia e outros arrumando a mala. Se Temer
não cumprir as condições mínimas para a execução da tarefa, espero que isso
fique claro no balanço dos interventores e o desgaste caia nas mãos de quem
merece.
Em linhas
gerais, essa é a intervenção que defendo. Posso alterar minha visão diante de
argumentos contrários.
O mais difícil,
entretanto, é convencer as pessoas que, como todos nós, acreditam que a
segurança é limitada, que é preciso melhorar as condições sociais, a educação.
Não percebem a emergência. Como chegar com serviços sociais a uma favela
ocupada? Como ter eleições livres em áreas onde só podem entrar alguns
candidatos?
Arruinado, o
Rio não consegue sozinho ocupar seu território. Mesmo com ajuda federal e a
presença do Exército é uma tarefa de longo prazo. Quem vê os militares se
preparando para combater os grupos armados vê também um horizonte para a
libertação territorial da cidade.
Defendi apenas
alguns princípios da intervenção. Não explicitei planos porque isso é tarefa
dos militares. Admito até que não tinham nenhum. O que fazer? Foram convocados
para uma emergência. Não temos plano? Faz-se um. Visto com seriedade, para quem
foi convocado de surpresa isso leva tempo.
O atraso na
aceitação da segurança pública na agenda nacional atravessou a
redemocratização. Entre nossos presidentes, havia um desprezo aristocrático
pelo tema.
Com todas as
críticas que faço ao governo Temer, procuro ter uma visão política; não
reclamar quando o outro chega atrasado às evidências, mas simplesmente afirmar:
é bom que, finalmente, tenha chegado.
Não vejo
alternativa melhor para o Rio. Prefiro ajudá-la, contra os ventos e marés da
esquerda. Não é a primeira vez que discordamos. Já estamos acostumados.”
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AGD
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