Por Carlos Sena (*)
Gosto dos ditos populares. Eles
são a, digamos assim, filosofia popular daqueles que não tiveram oportunidade
de acesso à universidade. Por isto dizem do seu sentimento de mundo na forma
como a realidade é fotografada no dia a dia, senão não seriam “populares”.
Contudo o popular não contém o popularesco, embora o popularesco contenha o
popular de forma não lapidada. Assim, vejo com muito bons olhos os ditos
populares e os “eru-ditos”... Algo como “não importa que a burra manque, mas
que a carga chegue”...
Na vivência interpessoal de
Gestão de Pessoas – nosso labor cotidiano no serviço público, um dito popular
nos chama atenção: “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os
escolhidos”... Cristo seguiu essa assertiva quando escolheu doze apóstolos sem
nenhuma capacitação para pregar a lei do amor – aquela lei que substituiu a do
“dente por dente e olho por olho” e que nós, em pleno terceiro milênio estamos
tentando consolidá-la. Como disse, “capacitar os escolhidos” é dos chavões
populares o que mais gosto. Porque entendo que para se compor equipes de
trabalho em qualquer nível de gestão pública ou privada é fundamental contar
com gente motivada, disposta, de confiança... Pode até não ser de todo
capacitada, mas isto passa a ser um detalhe que se consegue com o tempo. O
contrário – gente capacitada é importante, desde que se consiga conjugar
competência com caráter, com confiança e com garra para desenvolver ações
laborais nos diversos segmentos do conhecimento humano.
O mundo moderno tem que buscar a
excelência. Mas já se sabe fartamente que excelência, a rigor, não sai tão
somente dos bancos de Universidades; sabe-se da mesma forma que competência
técnica e habilidade profissional não se dissociam de um processo formal de
educação. Parece meio confuso, mas esse é o limite do humano nas questões de
Relações do trabalho, principalmente pela intersubjetividade que o valor do
trabalho nos dispõe enquanto processo. Na área pública da saúde, por exemplo,
não se pode imaginar um médico sem que tenha passado pela Universidade. Esta,
quase sempre, não coloca o profissional direto no mercado de trabalho, pois o
seu aprendizado maior se dá via residências médicas e através de
especializações, mestrados e doutorados...
Supondo-se que ele seja excelente
médico, que conduza o ato médico com a devida competência, mas se não tiver
excelência no trato com os colegas e com o paciente, certamente nenhuma
instituição irá se interessar nele enquanto força de trabalho. Isto sem
mencionar aspectos éticos da profissão que se o profissional não exercitar, com
certeza ficará mais distante do dos seus pares. Por outro lado, um médico
simples, "vacinado contra a síndrome de estrelismo", mas que tenha
vontade e compromisso com o paciente e com o serviço, levará imensa vantagem
sobre o outro. O primeiro médico – capacitado, mestre, doutor, etc., mas sem
escuta, sem saber conduzir um processo clínico, sem é ética profissional é,
certamente nota “SEM”... O segundo médico deste exemplo, com certeza, será mais
importante para a comunidade, pois a função médica, sendo humana por excelência
não se alimenta de títulos ou de vaidades profissionais tolas. O meio termo
disto seria a glória – um médico que agregasse títulos, ética e amor á
profissão. Como isto é quase um milagre nos dias atuais, capacitar os
escolhidos é a pedida. Exemplo disto está em nossa rede pública de saúde que
tem vivido cheia de dificuldades, mas socorrida por abnegados profissionais de
saúde: escolhidos por concurso público, mas capacitados no dia a dia das nossas
urgência e emergências. Quem tiver alguma intimidade com o SUS certamente vai
entender com mais propriedade essas considerações. No dia a dia das nossas
unidades públicas, há médicos extremamente comprometidos e fazendo verdadeiros
“milagres” anonimamente! Os medalhões, não raro, fazem do serviço público
“bico” e dos seus consultórios, ostentação e afronta pela forma diferenciada
que atendem nos seus consultórios os pacientes particulares ou de convênios
caros.
Esse foco na categoria médica não
é “patrulhamento”, mas a fotografia em preto e branco da realidade por que
passa o serviço público no Brasil, principalmente pela falta de médicos no
mercado de trabalhos. Embora sabendo que isto não justifica a “reserva de
mercado” que a categoria médica está fazendo deliberadamente, o que nos cabe é ressaltar
que boa parte deles (médicos) não está preocupada com quem pode morrer na fila
do SUS. Preocupam-se, principalmente, com “quem lhe paga mais” e isto tem
levado os municípios a viverem reféns desse mercado espúrio. Espúrio não porque
os médicos não devam ganhar dignamente. Devem sim e muito bem. Contudo,
explorar os vínculos públicos de que são detentores para, dentro deles, ganhar
dinheiro no mesmo horário de trabalho é outra coisa. Poderão dizer que é
problema gerencial como de fato também é.
Isto perpassa pela formação doméstica, pela consciência cidadã de cada
um. Por outro lado, o serviço público, não se preparou para agilidade
administrativa que os tempos modernos requerem. Poucos são os serviços públicos
hoje que conseguem fazer com que médicos assinem o ponto na forma convencional
ou eletrônica. Mas essas questões são carentes de maiores contextos que, no
momento não é nossa intenção. Como dissemos, nossa proposta foi, como gestor do
trabalho no serviço público fazer, digamos, uma “ODE” a capacitação dos
servidores – médicos ou não médicos, pois é praticamente assim que hoje
sobrevivem os serviços públicos. Algo como: de um lado estão os médicos, do
outro lado os outros. Esses “outros” podem ter várias denominações e cada um
pode dar a sua.
Capacitar os escolhidos é sucesso
garantido, considerando que esses escolhidos careçam de educação continuada ou
permanente, principalmente em funções gerenciais... Quem é gestor sabe que
pouco adianta gerenciar um trabalho com gente sem sentido de equipe; com
pessoas que só saibam FAZER sem saber ELABORAR. Fazer e elaborar são dois
termos fortes que compõem nossa assertiva acerca dos escolhidos e dos
capacitados. Escolhendo bem as pessoas, principalmente aquelas detentoras de
sentimento de equipe e comprovada ética profissional aplicada, é um excelente
começo... Porque tudo se delineia enquanto processo, não enquanto resultado. Se
os processos de trabalho forem bem compartilhados em todos os sentidos, os
resultados virão como consequência. O contrário disto, seria algo meio
surrealista como um amontoado de técnicos de primeira grandeza, mas sem nenhuma
capacidade de intervir na realidade concreta.
O mundo ainda está com muitos desses profissionais rodando no mercado de
trabalho. Entram e saem dele com muita facilidade, mas não criam “limo” em
canto nenhum... A vida precisa de poesia, mas precisa de praticidade. Só com
poesia a gente não enche a barriga, pois a barriga cheia vem da praticidade na
produção dos bens de consumo. A Barriga estando cheia, a poesia toma forma e
nos deixa felizes...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 05/07/2012
Trocando em miúdos: - Enquanto você descansa, eu carrego pedras. Enquanto você escreve, eu trabalho. Enquanto eu durmo, Maria lê. Enquanto a vida passa, eu me divirto. Enquanto o dia não raia, eu desfruto da boêmia. - Enfim, para fechar com um dito popular, também, eu acrescento: - "Não confunda as obras de arte do mestre Picasso, com a pica de aço de mestre de obras."/.
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