Por Zezinho de Caetés
Se a imprensa brasileira quisesse ser sensacionalista, seria
a melhor imprensa sensacionalista do mundo. Ou: Classe política brasileira
seria quase dizimada pelo jornalismo americano, britânico ou italiano
Ontem o Zé Carlos escreveu aqui mesmo sobre o Segredo de
Justiça fazendo um comentário sobre o hilário filme da UOL. Eu, hoje pela manhã
ao andar pelos blogs, antes de sair para ir curtir uma praia, leio um texto do
Reinaldo Azevedo, em seu blog, que fala de segredos e do comportamento da
imprensa.
O título é tão grande (“Se
a imprensa brasileira quisesse ser sensacionalista, seria a melhor imprensa
sensacionalista do mundo. Ou: Classe política brasileira seria quase dizimada
pelo jornalismo americano, britânico ou italiano”) que pensei que seria o
texto ele mesmo, pois nos passa exatamente o que ele quer dizer. Mas, o
jornalista, com o seu amor às teclas, mostra todos os detalhes sobre o
comportamento de nossa imprensa em comparação com outros no mundo democrático.
Eu achei o texto tão bom que o transcrevo em sua inteireza
abaixo. É muita letra, mas, hoje é domingo, que não deve ser só de praia, mas
também de leitura e meditação.
O tema é palpitante pois envolve os aspectos éticos
relacionados ao limite que existe entre o que é público ou é privado no mundo
dos políticos e o que deveria ser noticiado ou não. E sua conclusão é a mesma
de qualquer pessoa de bom senso e observadora da realidade do nosso país: se a
vida privada dos políticos brasileiros fosse notícia, como é para imprensa em
outros países, “não ficaria um, meu irmão’.
Fiquem com o Reinaldo que eu vou à praia, sem medo de ser fotografado, sou um
homem privado, não só dos sentidos.
“Agora que o inquérito sobre Demóstenes Torres foi tornado público — e
vou aqui insistir para que se acabe com o falso sigilo de coisas assim: há
sempre vazamentos selecionados por escroques — e que resta evidente que a
“grande munição” contra a imprensa, com a qual Lula prometia o fim do mundo, era
só pó de traque, cumpre fazer algumas considerações sobre a imprensa
brasileira.
Desde que o PT chegou ao poder, a imprensa está sob ataque. Tudo ficou
muito pior depois que veio à luz o escândalo do mensalão e que acadêmicos do
PT, liderados por Marilena Chaui, inventaram a falsa tese da tentativa de golpe
de estado. A maior contribuição desta estudiosa de Espinoza foi abrigar o
pensamento de Delúbio Soares. O partido resolveu mobilizar contra a imprensa
seus esbirros na Internet e montou um verdadeiro aparelho para intervir em
portais, sites, blogs, redes sociais etc. Anúncios da administração direta e de
estatais financiam a intervenção, o que é um acinte à democracia. É por isso
que não publico aqui aqueles que chamo, desde sempre, “petralhas”. Não são
indivíduos se manifestando, mas funcionários de uma organização. Alguns são
remunerados. Outros não!
A campanha de difamação é intensa, embora os propósitos da canalha não
tenham se realizado. Quem liderava antes continua a liderar — e com a mesma
folga. O que há de novo na era petista é essa pistolagem que tenta contrastar a
verdade dos fatos com uma “verdade alternativa” — que é um outro nome para a
mentira.
Aqui e ali, de modo despropositado, falso mesmo!, diz-se que a imprensa
brasileira não sabe distinguir o joio do trigo, que escolhe o caminho do
sensacionalismo, que é injusta com o poder e com os poderosos. Isso é falso de
várias maneiras combinadas. Se algum mal há no setor, é seu alinhamento meio
burro, automático, com teses de esquerda — mas deixarei este aspecto de lado
agora. A verdade é que a imprensa brasileira está entre as mais bem-comportadas
do mundo democrático; talvez seja a mais compreensiva de todas.
Explico-me. A grande imprensa brasileira faz uma distinção radical, sem
zonas cinzentas, entre o que é privado é o que é de interesse público. No texto
em que trata dos princípios da VEJA, Eurípedes Alcântara, diretor de Redação,
esmiúça o comportamento da revista — e, na verdade, de toda a grande imprensa —
quanto a esse particular. Assim, se um jornalista recebe um arquivo com
informações escabrosas sobre a vida sexual de um político por exemplo —
refiro-me mesmo a evidências, provas —, isso não é publicado se o dito
comportamento não estiver relacionado a algo que diga respeito ao interesse da
coletividade ou que fira esses interesses.
Todo mundo sabe disso. Lula sabe disso. José Dirceu sabe disso.
Por que é assim? Porque se considera, no que eu chamaria de “cultura da
imprensa brasileira”, que tal fato não é “político”. Se a grande imprensa
brasileira quisesse ser sensacionalista, seria a maior — e melhor — imprensa
sensacionalista do mundo. Por um bom tempo ao menos, até que houvesse uma mudança
de hábitos. Olhem aqui: quem já se hospedou em alguns hotéis de Brasília — e
não estou me referindo a puteiros, não! —, sabe que a capital federal rende
quilômetros de textos sobre, como posso chamar?, desregramentos dos costumes de
casados, solteiros, anfíbios… O mesmo vale para alguns restaurantes. E, no
entanto, há uma espécie de compromisso tácito entre os políticos e funcionários graduados e o jornalismo de que
nada daquilo será notícia. Peçam a um congressista american que deixe um
restaurante embrigado para vocês verem o que acontece. Em Brasília, isso é
rotina. Tudo questão pessoal!
A grande imprensa brasileira tende a considerar que isso tudo é o joio.
Para ser trigo, tem de envolver o interesse público. O jornalismo só se ocupou
do filho que Renan Calheiros tinha fora do casamento quando se descobriu que
era uma empreiteira que pagava a pensão à mãe da criança. Como ele era
presidente do Senado, restava evidente que havia uma dimensão coletiva no que
parecia ser apenas uma questão pessoal. Então se publicou.
Lula ficou furioso quando os negócios de Lulinha, o seu “Ronaldinho”,
vieram a público. Disse que estavam mexendo com a sua família. Errado! Era a
sua família — no caso, um de seus filhos — que estava mexendo com o estado ao
receber alguns milhões da Telemar, uma concessionária de serviço público, de
que o BNDES era sócio. Não fosse isso, ninguém se importaria se aquele
ex-monitor de jardim zoológico tinha ou não se tornado um milionário.
José Dirceu, o consultor de empresas privadas que se esgueira em
quartos de hotel, ficou bravo com as imagens que VEJA publicou na revista. Ora,
estivesse ele recebendo, naquele ambiente, pessoas sem quaisquer vínculos com
assuntos da República, ninguém teria dado um pio. Mas não! Com a sua folha
corrida, mantinha encontros com o presidente da Petrobras, com o ministro do
Desenvolvimento Industrial, com o líder do governo na Câmara… O Zé sabe muito
bem que nem VEJA nem outro veículo qualquer teria publicado uma linha a
respeito caso ele estivesse por ali para, sei lá, estripulias sexuais. No
Brasil é assim. Mas não é assim no mundo, não!
No mundo
Lembram-se do “bunga bunga” de Berlusconi? Antes que surgissem as
suspeitas sobre a idade e a procedência de algumas meninas — o que toca em
questões de estado —, a vida dissoluta do então primeiro-ministro, estivesse ou
não o interesse público envolvido, era alvo de constantes reportagens, com
fotos, artigos, especulações etc. Algumas fotos tiveram que sair com aquele
quadriculado ali na região entre o umbigo e as coxas…
Na Inglaterra, então, nem se fale. O escândalo que envolveu o ”The News
of the World” não mudou a rotina dos tabloides, não. Aquele jornal cometeu
crimes para fabricar notícia, coisa muito diferente de noticiar o que se sabe
da vida pública ou privada de personalidades da política, da realeza e do mundo
do espetáculo. Um arquivo que chegasse a uma redação com folguedos sexuais de
um político seria simplesmente notícia. Ponto! Nem se discute se um político ou
funcionário graduado flagrado em intimidades num hotel ou num restaurante com
namorada (o) ou amante é ou não notícia. É.
Boa parte do establishment político brasileiro não sobreviveria à imprensa americana, bem mais comedida do
que a inglesa ou italiana, mas muito distante da nossa no que concerne a essa
separação rígida entre o público e o privado. Os bacanas que reclamam do nosso
jornalismo não sabem, na verdade, o paraíso em que vivem. Na maioria das
democracias, compreende-se que o homem público praticamente não tem direito a
algumas prerrogativas dos cidadãos privados. Um exemplo: se o “Indivíduo A” tem
uma amante, isso só interessa a ele, a ela e à mulher traída. Se, no entanto,
ele for um político, isso passa a ser, sim, do interesse coletivo porque se
considera que ele representa uma coletividade. Como tal, não pode reivindicar o
direito à privacidade. Nos EUA, sabemos, a categoria que mais fulmina
pré-candidatos à Presidência são as amantes.
Fico cá me perguntando se, por exemplo, os americanos não acertam mais
do que nós. Fico cá pensando se Brasília — refiro-me à Brasília como capital
administrativa, não aos brasilienses — não seria um lugar de mais trabalho, de
mais seriedade, de mais moralidade se os homens públicos soubessem que os
jornalistas contarão tudo o que sabem e pronto! Sempre há a alternativa, é
óbvio, de o sujeito de vida complicada decidir se manter na esfera privada,
hipótese em que se ninguém tem de se meter com seus assunto.
Talvez isso, mais do que o Ficha Limpa — que tem muitas portas abertas
para o drible e até para a chantagem (trato disso outra hora) —, contribuísse
para melhorar a política. O candidato a homem (e mulher, claro) público teria
muito claro: “Se a minha história não for reta e se eu não viver conforme digo
que vivo, sei que vou quebrar a cara”. Sim, sempre haverá, na democracia, a
possibilidade de alguém se apresentar ao eleitorado justamente como aquele que
enfia o pé no jaca. Mas, nesse caso, o eleitor será previamente avisado. Se
votar, votou. Notem que não há lei proibindo que um sujeito com amante ou que
tenha feito uma suruba se candidate nos EUA. Pode se candidatar. Provavelmente,
não será eleito. Uma certeza ele tem: se teve amante ou fez suruba e se a
imprensa ficar sabendo, isso será notícia. No Brasil, nunca!
Generosa
A imprensa brasileira, a verdade é esta, está entre as menos
sensacionalistas do mundo. Na verdade, ela acaba sendo tolerante em excesso com
certos comportamentos que, embora privados na aparência, mesmo não estando
relacionados a dinheiro público ou a princípios da administração pública,
revelam, no entanto, o político de duas caras, o anfíbio, aquele que diz uma
coisa e que faz outra. Há certos comportamentos individuas que são sintomas de
mau-caratismo. No homem privado, problema dele e de quem com ele se relacionar;
no homem público, pode ser indício de baixa qualidade da representação e de
degradação da política.
“Mas me diga, Reinaldo, não pode haver um santarrão, com comportamento
ilibado no terreno moral, que é, no entanto, um contumaz ladrão do dinheiro
público?” Ora, gente, claro que sim! Assim como é possível existir um fauno,
com uma penca de amantes, vivendo uma vida dissoluta, que não toca em um
centavo do que é alheio. Mas acho que essa é tal curva do sino, entendem?
Existe a minoria nos dois extremos. Mas me estendi demais nas eventuais
virtudes de termos uma imprensa que conta tudo o que sabe sobre o homem
público. Quero voltar ao ponto.
A grande imprensa brasileira é generosa, tolerante e paciente. Permite
que o fauno se passe por santarrão se considerar que isso é só um problema
privado. Uma coisa é certa: a classe política brasileira seria quase dizimada
se tivesse de enfrentar uma imprensa americana ou inglesa. E ouso dizer que,
num primeiro momento, nem seria por causa do trabalho disso que se convencionou
chamar “jornalismo investigativo”, que tenta desvendar as artimanhas dos
ladrões de dinheiro público. Bastariam uma câmera fotográfica e alguns arquivos
que chegam às redações e que são descartados.
E eu lamento constatar que a nossa democracia não é melhor do que a
democracia americana ou britânica. Só por causa disso? É claro que não! Mas
também por causa disso. Se, amanhã, os grandes veículos anunciarem: “Vamos
contar tudo”, aí vocês conhecerão o que é pânico. E eu posso garantir que não farão mal nenhum
aos brasileiros se forem pra casa.”
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