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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Testemunhos do Vovô Zé - Visitar vovô? É complicado


Miguel e Davi


Por Zé Carlos

Um fim de semana destes recebi um telefonema de minha filha dizendo que já estavam a caminho, na estrada, porque o Miguel, meu neto caçula estava com febre. Eu hoje tenho vergonha de dizer o que perguntei naquele momento triste: “E o Davi vem?” São destes sentimentos de que somos feitos. Enquanto recebia a notícia da doença de um neto, eu só pensava em mim, perguntando pelo Davi, o outro neto, por ele ser agora o meu xodó. O Miguel tinha apenas um mês de vida.

As almas caridosas poderão justificar dizendo que, com um mês de idade, nosso apego ainda é pequeno. Mas, não seria uma justificativa convincente, como pude observar, minutos após, que nem mesmo a vinda de Davi me alegrava como das outras vezes. Engoli a tristeza e fui receber os dois em pé de igualdade, como deve ser.

Chegaram todos. Médicos, hospitais, remédios, carinho, amor, brincadeiras, alegria e o Miguel ficou “bonzinho da silva”, graças a Deus.

Logo depois eu me deparei com um texto, da Tereza Haliday, que tem o mesmo título que dei ao sub-título deste série de testemunhos: “Visitar vovô? É complicado”. Leiam e depois eu dou um simples arremate, sem nem pensar em ter o brilho literária da autora:
          
“O avô não usa redes sociais, prefere a rede na varanda, onde o beija-flor vem visitá-lo de olho na água oferecida junto às flores. Houve tempo em que a avó atraía os netos pequenos com sorvete e biscoitos feitos em casa. Exigia apenas lavassem as mãos antes de comer. Foi-se a avó, foram-se os biscoitos. Mas o avô ficou e costumava convidar para uma partida de dominó.

O avô dava carona de moto no tempo em que era um idoso sarado. Cumplicidade, sem o conhecimento da mãe, que desmaiaria só de pensar no perigo do passeio. O avô ensinou a pescar, levou ao estádio de futebol, mostrou como se corta laranja para chupá-la sem precisar descascar, deu dicas para os deveres de casa. Nunca esquecia de pôr “um agrado” sub-repticiamente no bolso dos netos, grande incremento à mesada apertada. Hoje, esquece quase tudo. Nas reuniões de família, pergunta: “Quem é você?” “Ah, Marquinhos...” repete, sorrindo, o nome do neto. E pede esclarecimentos: “Você é filho(a) de quem?”. Pergunta as mesmas coisas: “Quantos anos você tem? Está em qual série? Tem namorada (o)?”.

O avô se refere a um lugar estranho e distante chamado passado. Lá moram as mesmas pessoas de sempre, cujos nomes os netos estão saturados de ouvir. Conversar com ele, agora, não leva a lugar algum. E é constrangedor vê-lo assim, meio leso, ele que era tão atento ao noticiário político e dava conselhos inteligentes. Visitá-lo? “É complicado”...

Quando a relação começou, o status de avô trouxe grandes alegrias ao velho, não tão velho, que curtiu intensamente cada fase dos seus descendentes. Para estes, o status de neto não traz alegria, com a nova fase do avô. É duro ter de aguentar alguns minutos de visita sem ter mais o que conversar. Um beijo na careca, um afago naquela mão tão engelhada parecem agradar ao velho. Mas visitá-lo não é mais do agrado dos netos.

Os netos estão no vuco-vuco da faculdade, estágios, networking para arrumar emprego. Precisam balançar nas redes sociais, namorar, ir à balada, assistir ao concerto da banda favorita, perder horas no trânsito para ir e vir. A vida os chama a outras visitas, exige, cobra. É o Facebook, o Orkut, a ficada, o estágio, o mundo que faz sentido. Visitar vovô não faz mais sentido. Ficou chato, triste. O velhinho já não é o mesmo. E os tempos são outros. Não há tempo para visitar vovô. Mas, de uma coisa podem estar certos: nenhum neto faltará ao velório.”

Eu ainda sou um avô de netos crianças. Casei tarde, a prole veio tarde e os netos também. O bom disto é que meus netos já não me encontraram deitado na rede de uma varanda, nem a ensiná-los como se descasca uma laranja, coisa que meu avô fez comigo. Eu já frequento as redes sociais, sou antenado na tecnologia e já ensino ao mais velho, o Davi, como apertar seu pequenino dedo no “mouse”, para ver filmes do YouTube.

Entretanto, tem o outro lado, que temo bastante, que é não chegar nem a acompanhá-los na universidade, ou porque já passei para o lado de lá de verdade, ou o meu cérebro, minha alma, não atinar mais com as visitas deles. Como eu gostaria que o meu tempo parasse e o tempo dos meus netos continuasse a andar para eu participar, de forma lúcida, consciente e produtiva de suas vidas. Mas, isto não posso controlar, pelo menos, em parte. A parte que posso controlar é seguir todas as “mumunhas” que nossos meios modernos me dão para prolongar o tempo em que respiro, e de uma forma saudável.

Mesmo não tendo certeza de nada, fico fazendo planos para eles, escolhendo utopicamente suas carreiras, seu caráter e até suas namoradas. E esperando que eles sempre tenham o mesmo prazer que tem hoje o Davi, ao me visitar. Mas, não quero eles chorando no meu velório, por isso não contarei prá eles onde é a capelinha do Santa Marta.

Um comentário:

  1. PARABENS POR SUA SINCERIDADE NA MATÉRIA ESCRITA COM O CORAÇÃO;SOU AVÔ E SEI O QUE SENTIMOS PELOS NETOS FILHOS DUAS VEZES.

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