Por Carlos Sena (*)
Sou negro, mas não posso ser negro. Sou gay, mas não posso ser gay. Sou mulher, mas não posso ser mulher. Sou cego, mas não posso ser cego. Sou velho, mas não posso ser velho. Sou, mas não posso ser...
Vivemos em tempos difíceis em que somos sem podermos ser, porque o POLITICAMENTE CORRETO parece que nos aprisiona. Talvez chegue o dia em que teremos que ser POLITICAMENTE CORRETOS sem podermos ser. A sensação é que negro não gosta de si, nem Gay de si muito menos gosta. Tudo afeta, tudo constrange, tudo molesta, tudo traumatiza, tudo causa danos morais, etc.
Fique claro que não somos contra o politicamente correto, mas é porque se criou certo patrulhamento em função disto. Dá-nos a impressão de que as próprias pessoas pertencentes às minorias não se gostam de sê-las. Particularmente, se eu fosse negro, adoraria que me chamassem de negro e assim por diante. Porque o preconceito é além dessa caracterização, um mal que talvez a humanidade não tenha condições de abolir da face da terra. Exagero? Basta imaginar que estamos no terceiro milênio da era cristã e a civilização do amor ainda está balbuciando isto. Em nossa volta imperam em grosso e no varejo as discriminações, violências físicas e morais e outras em grosso e no varejo. O ser humano tem confundido união com reunião. Ficam todos em rede de internet ligados, teclando uns com os outros, mas não sai disto. Estimulam a falsa sensação de que estão unidos, ou mesmo que estão vencendo a solidão. Engano em dobro, porque a solidão tem se estabelecido como o mal do século do ponto de vista comportamental, não bastando que provoca a posteriori a sensação do desespero com o vazio que as redes deixam. As redes sociais de relacionamento reúnem, mas só as redes face-a-face unem, constroem processos possa continuar nesse “endeusamento”, pois mais parecem (as redes net) uma réplica do bezerro de ouro de Moisés quando do seu retorno do Monte Sinai.
Sou, mas não posso ser, embora gostasse de ser o que sou em minha essência. Outro dia numa palestra, fui me referir a uma bola preta de sinuca, e fiquei pensando se essa referência não incorreria no politicamente correto. Fui também dizer que a segunda-feira era dia de branco, fiquei do mesmo jeito imaginando essa situação. Acho até que esse modismo foi quem colocou as minorias nessa condição de “coitadinhos” como tem parecido ser... Mas não é. Na questão da homossexualidade, por exemplo, tem-se a sensação de que os gays são meio “não me toque”, o que não são. Da mesma forma que os idosos, pois eles não são o “fim da linha”, os coitadinhos como se quer que eles sejam, mas não são. Não fosse assim, criança não morreria, nem haveria gays felizes e de bem com a vida.
Argumenta-se a questão do respeito em relação às minorias, mas isto não deveria ser só em relação a elas. Todo ser humano tem que ser visto na sua condição holística de vida e de sentimentos do viver. Tratar os iguais igualmente e os diferentes diferenciadamente, talvez seja o grande mote dessa difícil construção cidadã que se tem querido dar com o exacerbado politicamente correto. Como se vê, o terceiro milênio não desenvolveu pra si uma civilização do respeito às diferenças, porque todo ser humano por si só é diferente do outro e isto já deveria servir de parâmetro. Se todo mundo tivesse dentro de si essa compreensão, então talvez o gay pudesse ser gay, o negro pudesse ser negro, o... Pudesse ser sendo.
Defendo, por fim, que ninguém seja barrado num elevador, por exemplo, por conta da pele ou da preferencia sexual. As leis que isto pune são fundamentais, pois esse é o principio da convivência entre os contrários. O grande problema é que parece que cada pessoa gostaria de ser como aqueles relógios Champion que têm várias pulseiras para cada roupa, para cada dia, etc. Em comportamentos até elas o são, mas na realidade concreta não. Há pessoas que adorariam trocar de pele como trocam de sapato; trocar de sexo como trocam de sapato; trocar de raça como trocam de sapato; entrar com os pés como entram os sapatos; entrar de mãos como entram em contramão da história e da glória.
Minha mãe costuma se referir a um negro bom como “negro de alma branca”... Não a culpo por isto, nem vou lhe patrulhar dentro do POLITICAMENTE CORRETO. Não posso chamar um DIAMENTE NEGRO de NEGRO? Onde está a contradição, na semântica? O relativismo cultural não vale? Não seria mais fácil se as minorias se conscientizassem dos seus papéis e exercitassem um pouco acerca de o quão “não devem ser frágeis, desmilinguidas, coitadinhas”? Porque efetivamente não são. Sendo prático: politicamente correto é votar certo para mudar a realidade cultural do país e as leis que protegem as maiorias e marginalizam as minorias. Talvez chegue um dia em que se fale do politicamente correto às avessas, pois a gente vê grande quantidade de negros que se casam com brancos. Por que será? Como se vê, a coisa tá preta. Como? Falei preta? E agora? Já pensou se eu fosse dizer que a coisa está branca querendo dizer que ela está preta ou vice versa?
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(*) Publicado no Recanto de Letras em 15/09/2011
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