“Xô responsabilidade fiscal
Por Pedro Fernando Nery
Na semana que passou, o teto de gastos completou mil dias
desde a sua promulgação. Na mesma semana foi noticiado que o STJ aprovou a
criação de novo tribunal federal, o STM pagou R$ 100 mil para viagem de
ministros em férias no verão grego, o STF reconheceu “repercussão geral de
questão constitucional” no pleito de advogados federais terem 2 meses de
férias, e o CNJ criou auxílio-saúde para o Judiciário sem previsão em lei.
Também na semana dos mil dias, o risco país caiu para o menor nível desde 2013.
Enquanto se discute seu fim, as notícias apontam para a essência do teto de
gastos: redução do risco no longo prazo com um ajuste só gradual em curto
prazo.
Contudo, predomina a narrativa de um teto draconiano, até
abolindo direitos humanos. O discurso oposto, da importância da
responsabilidade fiscal, fica longe de ter o mesmo apelo para ganhar corações e
mentes. Talvez seja hora de abandonar expressões como “responsabilidade fiscal”
no discurso e chamar as medidas contrárias pelo que elas são: inflacionismo.
Aperfeiçoar o teto ou substituí-lo por aumento de carga
tributária ainda se inserem na lógica de responsabilidade fiscal ou austeridade:
o objetivo ainda é a redução dos déficits e estabilização da dívida. Advogar
abandonar o teto de gastos sem sugerir nada no lugar é inflacionismo.
“Responsabilidade
fiscal” não é um fim em si, evitar uma hiperinflação que é. A gravidade do
problema e impacto na vida das pessoas de uma mal pensada política fiscal mais
expansionista precisam ser mais bem comunicados.
Apesar do teto, os déficits primários que se iniciaram em
2014 só cessariam em 2024 pela IFI. Quer dizer que os governos “rentistas” de
Temer e Bolsonaro não teriam poupado dos tributos um centavo sequer para abater
da dívida: o último presidente a não fazer superávit primário em nenhum ano foi
Sarney.
Sem freio, no limite o Tesouro precisaria do Banco Central
para se financiar. A (hiper)-inflação seria a maneira de o governo cortar suas
despesas em termos reais. Algo como o que ocorre hoje ao sul e ao norte de
nossas fronteiras.
O colunista não está sendo alarmista: muitas das críticas ao
teto ou medidas de “responsabilidade fiscal” estão implícita ou explicitamente
associadas a impressão de dinheiro. Em artigo na Folha no domingo, professores
críticos ao teto não apresentaram alternativa de controle de despesa ou aumento
da receita, mas afirmaram com clareza que “o dinheiro não vai acabar enquanto o
Estado puder exercer suas funções fiscais na sua própria moeda”.
A ideia anda em voga nos Estados Unidos no âmbito da
autodenominada teoria monetária moderna (MMT). No contrabando para o debate
brasileiro, esquece-se que não imprimimos dólar.
De forma mais explícita, a influente não-economista Maria
Lucia Fattorelli, do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, defende que o
governo “irrigue” R$ 1 trilhão na economia: “Se o dinheiro for aplicado em
investimento, não gera inflação coisa nenhuma.”
Com ideias populares entre internautas, políticos e nas
ciências humanas, ela argumenta “Os bancos centrais dos países desenvolvidos
jogam dinheiro na economia para investimento. Por isso que você chega lá e é
aquela maravilha toda. Todas as estradas maravilhosas, tem metrô, tem trem para
você viajar de trem. Por que aqui não tem nada? Por causa dessa desculpa errada
de inflação”.
É diante desta intelligentsia que o teto se coloca. Nos
termos de Samuel Pêssoa, ele permite “resolver problemas antes do abismo
inflacionário”.
Afinal, quais os direitos humanos restringidos pelo teto até
agora? Ele estimulou ampla reforma da Previdência, preservando rurais e BPC.
Não à toa, 33% da economia no INSS será em São Paulo e somente 15% no Norte e
Nordeste.
Já com os rentistas o teto tem sido cruel. Os desembolsos
com juros estão prestes a cair abaixo de 4% do PIB, no acumulado de 12 meses
calculado pelo Bacen, nível anterior ao da reeleição de Dilma. Em 2015,
chegamos a pagar mais de 7%. Ao sinalizar solvência no longo prazo, o teto
contribuiu para a queda da curva de juros.
Quanto ao investimento, ele sequer consta dos gastos
proibidos como consequência de eventual descumprimento do teto, caso de
despesas com funcionalismo ou aumentos reais no INSS. Ainda que o teto possa
ser aprofundado para preservar ainda mais o investimento, como na PEC 438
(Rigoni de relator), é preciso ter em mente o que ele realmente veda, como a
criação de novo tribunal ou do auxílio-saúde dos juízes, e do que ele protege.
Se é de um abismo inflacionário, precisamos ajustar o discurso para explicar
que o teto é um muro no barranco.”
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