“Amazônia ‘internacional’
Por Denis Lerrer Rosenfield
Muitas impropriedades foram cometidas a propósito dos
debates sobre a questão da Floresta Amazônica, uma celeuma que se tornou um
problema geopolítico, diplomático, comercial e militar. Uma questão de
comunicação, de pouca eficácia do lado brasileiro ganhou dimensão propriamente
amazônica. Note-se que o mundo da política, e também o do comércio exterior e
da diplomacia, é o das percepções, muitas vezes os fatos e a verdade ficam a
reboque.
Tanto uma percepção falsa quanto uma verdadeira orientam a
ação, que se fará numa ou noutra direção. Eis por que o trabalho de comunicação
e esclarecimento dos fatos é da máxima importância, pois de sua falta seguirá
um tipo ou outro de ação. Ou seja, a comunicação social, tanto a tradicional
quanto a digital, faz parte da ação humana e, portanto, dos governos, empresas
e entidades de classe. Dela dependerá a orientação do comportamento e da ação
humana.
Nesse jogo de percepções e de apostas arriscadas, no que
tange às impropriedades o presidente francês ganhou o campeonato, embora o
brasileiro se tenha referido à primeira-dama da França de forma inadequada e
desrespeitosa. Isto é, o presidente Macron, ao responder ao presidente
brasileiro, criou um problema geopolítico de dimensão inusitada. Picado pela
boutade imprópria de Bolsonaro, declarou que a Amazônia teria status
internacional, não devendo, portanto, estar submetida à soberania brasileira.
O caminho é deveras longo da primeira-dama à ameaça de
velada intervenção externa, certamente “comandada” e “inspirada” pela França. É
bem verdade que o presidente Macron procura agradar aos agricultores franceses,
refratários à competição internacional, vivendo de subsídios e temendo
fortemente a concorrência da agropecuária brasileira. Sua intenção é evidente:
torpedear o recém-assinado acordo Mercosul-União Europeia. Está à procura de
votos e tenta para isso criar uma crise internacional.
Seus colegas europeus não caíram na armadilha, ressaltando,
corretamente, que o próprio acordo contém salvaguardas ambientais e a
negociação é o melhor caminho. Mas o dano ao Brasil já foi causado e o
objetivo, alcançado: queimar a imagem do País e do agronegócio.
Mais de 80% do bioma amazônico é preservado pelas terras
indígenas, áreas de preservação ambiental, áreas militares e 80% das
propriedades privadas. Ou seja, o coeficiente de preservação ambiental é
altíssimo. Não haveria motivo para nenhuma espetacularização, porém,
considerando a inação da comunicação governamental, dados desse tipo nem
alcançam os meios de comunicação mundiais, em particular na Europa. Paradoxo:
um dos países mais conservacionistas é tido como responsável pela poluição
planetária!
Veja-se o despropósito. A Amazônia não seria mais
exclusivamente brasileira. Amanhã ou depois poderiam alguns governantes
lunáticos propor uma intervenção militar em nosso território. Por que não
propõem algo semelhante nos cinco países mais poluidores do planeta: Estados
Unidos, China, Índia, Rússia e Japão? Ou entre os dez, incluindo Alemanha,
Canadá e o Reino Unido? Estão preocupados com o planeta ou com os seus
interesses?
Ademais, o presidente francês, ao afirmar que a França tem
extensa fronteira com o Brasil, “esqueceu” um pequeno dado histórico. A Guiana
Francesa é, na verdade, uma colônia, resquício do passado colonial francês. Ser
hoje denominada “departamento francês ultramarino” não muda a História. A Holanda
e o Reino Unido também tiveram suas “Guianas” e levaram a término um trabalho
de descolonização. O Brasil não tem “fronteiras” com esses países europeus. Não
seria o momento de a França fazer seu dever de casa?
Dito isto, o Brasil deve enfrentar seus próprios problemas.
Um dos principais consiste na regularização fundiária, bem assinalada pelo
ministro Ricardo Salles. Há uma questão envolvendo terras que não são de
ninguém, para utilizar uma expressão corrente, numa confusão entre a
titularidade da União e a posse dos que lá vivem e trabalham. Ou seja, não há
responsabilidade nenhuma, de tal maneira que, no caso de uma queimada, o crime
não tem titular. Se houvesse uma regularização, a lei deveria ser seguida por
aquele que detém a propriedade da terra. Assim como está, ninguém é responsável
por nada. Os criminosos desaparecem.
Em torno de 74% da área da Amazônia é constituída por terras
públicas, cabem apenas 26% à iniciativa privada. E esta deve obedecer ao limite
legal de exploração em somente 20% da área. Leve-se também em consideração que,
anteriormente à lei em vigor, 50% podiam ser desmatados. Logo, quando se fala
em “queimadas”, dever-se-ia determinar se ela ocorreu em área pública ou
privada, responsabilizando-se lá quem de direito. A exploração da agricultura e
da pecuária no Brasil, atualmente, não utiliza a queimada como instrumento de
preparação de cultivo da terra, salvo em casos marginais e sem expressão. Em
consequência, não há como responsabilizar a agricultura e a pecuária
brasileiras pelo desmatamento, como está sendo feito internacionalmente.
Há uma distinção capital a ser feita entre desmatamento
legal e ilegal. O legal corresponde ao direito de cultivo e produção de
alimentos relativo aos 20% que podem ser desmatados. Tudo conforme a lei. Outra
coisa totalmente diferente é o desmatamento ilegal, que não segue nenhuma regra
e nem limites. E é esse que se utiliza de queimadas! Na verdade, trata-se de
grilagem de terras, garimpos, exploradores de madeira, que deixam as terras
devastadas. Esses casos deveriam ser tratados com todo o rigor da lei, com uso
de policiais e, se for o caso, de militares. Ações de repressão aí são
fundamentais, pois se não forem realizadas passarão a mensagem de que tudo é
permitido e a impunidade faz o crime valer a pena.”
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