“Voltas que o mundo dá
Por Fernando Gabeira
Apesar do intenso zum-zum nacional, com leis marotas votadas
na madrugada, duas notícias de fora marcaram a semana: o risco de estagnação
econômica mundial e a volta do peronismo na Argentina. O interesse por política
externa nunca foi muito grande no Brasil. Mas tem crescido nos últimos anos.
Senti isso na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Estudantes a
frequentavam com interesse para ouvir os debates.
Bolsonaro fez parte dela, por alguns anos. Naquele momento,
ainda não era um líder popular nacional. Tornou-se presidente, e discutir com
líderes populares é mais áspero: os seguidores são hipersensíveis à
imparcialidade ou ao preconceito.
Mas fatos são fatos. A política externa conduzida por
Bolsonaro precisa ser criticada, pois pode nos levar a um isolamento perigoso
no momento de uma crise mundial.
Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos. Nada a reparar. A
aproximação com os Estados Unidos estava no seu programa e, creio, é apoiada
pela maioria dos eleitores brasileiros.
Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos e está se
afastando de outras partes do mundo. Isto não estava no programa. Muito menos
reduzir o movimento a uma proximidade com a família Trump, como se política
externa fosse tocada por amizades familiares, e não interesses nacionais.
Bolsonaro aproximou-se de Israel. Nada a reparar. Mas se
afastou do mundo árabe ao anunciar que levaria a Embaixada do Brasil para
Jerusalém. Não completou o plano, mas o desgaste ficou no ar.
Bolsonaro assinou um acordo comercial com a Europa,
condicionado ao respeito ao meio ambiente. Nos últimos tempos, tem se dedicado
a criticar a Europa, afirmando, injustamente, que a Alemanha quer comprar a
Amazônia a prestação.
O acordo com a Europa ficou mais difícil, pois Alberto
Fernández, vitorioso nas prévias argentinas, não o quer agora. Acha, como o
ex-chanceler Celso Amorim, que o momento não é adequado para o Mercosul. Isso
não impediria o Brasil de ir adiante. O próprio acordo prevê que os países
entrem de acordo com seu ritmo. Quem aprovar a entrada não precisa esperar o
outro.
Com as declarações de Bolsonaro, dificilmente avançaremos.
Ele cancelou uma reunião com o chanceler francês para cortar o cabelo. Os
franceses não entenderam essa emergência capilar.
Bolsonaro já abriu uma guerra contra os peronistas que devem
voltar ao poder. Teme que os argentinos invadam o Sul, fora do verão, como os
venezuelanos em Roraima.
A Argentina estava aí antes de Bolsonaro e continuará depois
dele. São relações de Estado que precisam ser desenvolvidas, e não uma troca de
insultos ideológicos.
Para completar as trapalhadas no Sul, o governo Bolsonaro
quase derruba seu aliado paraguaio, com o acordo sobre Itaipu. Além dos
problemas criados e do ressentimento nacionalista que reavivou, apareceu na
negociação uma empresa brasileira ligada a um suplente do senador Major
Olimpio.
Gostar de grana é realmente suprapartidário, mas torna-se
algo muito sério quando envolve uma negociação delicada como a de Itaipu.
O novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos pode ser um
filho de Bolsonaro. Ele já fez referência à necessidade de bomba atômica e
afirma que diplomacia sem armas é ineficaz.
Já tínhamos resolvido essa questão com os argentinos, não há
mais dúvida quanto à nossa política nuclear. Se somarmos a reação agressiva à
eleição do que chama de bandidos de esquerda na Argentina, Bolsonaro, através
do filho, pode nos afastar ainda mais de uma vizinhança tranquila, apesar das
diferenças.
Quando deputado, Bolsonaro às vezes ficava bravo, mas
discutia. Como presidente, sente-se um herói poderoso: ganhei as eleições.
Se Bolsonaro se fixasse numa relação apenas com os Estados
Unidos, já seria extremamente perigoso. Mas o embaixador que pretender enviar
aos EUA andava com um boné de propaganda da reeleição de Trump. A verdade é que
Trump nos aproximou da OCDE. Mas o próprio Bolsonaro boicota essa aproximação
ao apoiar a medida de Tofolli que neutraliza investigações da Receita.
O Brasil corre o risco de ficar apenas com Trump. Em termos
pessoais, nada a declarar, pois a química humana é de fato surpreendente. Em
termos nacionais, é um grande equívoco.”
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