“Passado maior que futuro
Por Pedro Fernando Nery
É maior do que o orçamento da Saúde. É maior do que o
orçamento da Educação. É quase seis vezes o Bolsa Família. Equivale à soma do
gasto orçamentário com segurança pública, seguro-desemprego, políticas de
emprego, transportes, energia, ciência e tecnologia, meio ambiente, habitação,
saneamento, agricultura, indústria, comércio, cultura e relações exteriores.
Cresceu nesta década anualmente 4% acima da inflação.
Do que se trata? É o gasto com pensão por morte: da ordem de
R$ 170 bilhões por ano na União. A maior parte está no regime operado pelo
INSS, mas pesam também as pensões dos regimes de servidores e militares.
A pensão por morte é tipicamente discutida por narrativas
sentimentais, não por números. O falso estereótipo da viúva desamparada com
filhos para criar interdita o debate. Mas gastar mais de 10% do Orçamento
federal com pensões por morte não parece uma escolha consciente da sociedade.
Se criássemos o Ministério das Pensões, ele seria o 2.º mais caro da Esplanada.
Essa despesa cresce, em parte, porque tal qual a
aposentadoria a duração da pensão também é afetada pelo envelhecimento da
população (a grande maioria delas é vitalícia para o viúvo). E o seu nível é
alto porque o Brasil fez escolhas que seus pares não fizeram, seja na
comparação com vizinhos sul-americanos ou com países desenvolvidos e emergentes
do G-20 (maiores economias do globo).
Quando um segurado do INSS falece, a renda per capita da
família aumenta, porque a reposição ao cônjuge é de 100% do salário. Não é
assim na América do Sul: a reposição mínima tem média de 50%. Colômbia,
Equador, Venezuela, Chile e Paraguai ficam abaixo dessa média, chegando a 25%
neste último caso.
No G-20, países também não conseguiram seguir o modelo
brasileiro. Mesmo os ricos e tidos como modelo de Previdência generosa garantem
reposição mínima muito menor: a França repõe ao redor de 50%, o Canadá menos de
40%, a Alemanha menos de 30%. Na China, Índia e Indonésia a pensão nem existe,
mas apenas uma prestação de alguns meses. Nesse grupo, principalmente no G-20,
é comum que a pensão só seja paga total ou parcialmente na ausência de outras
rendas. Muitos também fazem restrições quando há novo casamento.
Nos cálculos de Paulo Tafner, 30% dos pensionistas no Brasil
acumulam a pensão com uma aposentadoria, recebendo dois benefícios do INSS.
Outros 15% acumulam pensão com salário. Entre os pensionistas aposentados, a
maioria está no quintil mais rico da população como mostra estudo de Rogério
Nagamine Costanzi e Graziela Ansiliero, do Ipea. Ainda nas contas de Tafner,
baseadas na Pnad, 20% estão em outro casamento. O mais impressionante: menos de
10% são viúvas sós morando com filhos menores de 14 anos.
Por isso que seria falso o estereótipo de viúva sem renda
com filhos pequenos para criar, que domina essa conversa. Poucas moram com
crianças, muitas têm outras rendas (inclusive do INSS) e várias estão em nova
união.
Daí que desde 2014, Dilma, Temer e Bolsonaro enviaram
propostas ao Congresso para manter a reposição de 100% quando houver quatro
dependentes, mas reduzindo a reposição de novas pensões a 60% quando houver só
o cônjuge. Como vimos, ainda é regra mais generosa que a de outros países, em
desenvolvimento ou desenvolvidos. Contrasta com o polêmico Bolsa Família, em
que famílias sem crianças não recebem mais que 30% do benefício máximo.
A proposta de Dilma foi parcialmente aprovada, ainda que a
mudança nos 100% tenha sido rejeitada. Novas pensões deixaram de ser vitalícias
a depender da idade do cônjuge, passou-se a exigir tempo mínimo de contribuição
e de casamento e adotou-se outras alterações moralizadoras. Entre elas, o
“artigo von Richtofen”: a proibição de que o assassino receba a pensão do
assassinado (sim, até 2015 podia).
Ainda quanto ao estereótipo, vale outra ressalva: por ser
benefício de quem tinha carteira assinada, a pensão chega pouco aos mais pobres
da sociedade. A viúva do desempregado ou do informal nada recebe, mesmo se
houver crianças. O idoso pobre que recebe o Benefício de Prestação Continuada,
assistencial, também não deixa pensão.
Não à toa, o INSS movimenta muito mais em pensão nas regiões
mais ricas do País. O valor transferido por habitante é maior do que R$ 700 em
Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. É menor que R$
300 per capita no Acre, Roraima, Amazonas e Amapá.
R$ 170 bilhões: regras que não existem no resto do mundo
criaram um custo gigantesco e crescente. Que não é focado em famílias com
crianças. Que é várias vezes maior que o investimento, que o gasto com ciência
e tecnologia ou com educação básica. No Brasil, o orçamento do passado é maior
que o orçamento do futuro.”
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