“Bolsonaro e os dentes da Lava Jato
Por William Waack
O instinto de Bolsonaro de proteger a família e a prole o
está levando a ajudar um lado na formidável briga sobre quem vai controlar as
decisões das esferas políticas. No caso, atuando contra os pedidos explícitos
de organização que foi tão importante na eleição dele, a Lava Jato.
A ira inicial do presidente é voltada contra órgãos como
Receita ou Coaf que ele mesmo colocou sob a suspeita de motivação política ao
investigar familiares dele. É isso mesmo, dizem ministros do Supremo. Sob o
ímpeto investigatório (jacobinista, inquisitorial, autoritário ou ilegal,
dependendo do ministro do Supremo) da Lava Jato, órgãos de fiscalização e
controle excederam seus limites constitucionais.
Diálogos hackeados de expoentes da Lava Jato reforçam ainda
mais essas percepções sobre a atuação política da força-tarefa – não importa
mais se os diálogos são autênticos, se servem como provas, se configuram ou não
abusos ou mesmo crimes por parte dos investigadores. Eles são percebidos como a
cereja no bolo quando se afirma que juízes, procuradores e delegados se
converteram numa espécie de “partido político” com o intuito declarado de
influenciar os rumos gerais da política brasileira (seja qual for a
justificativa deles).
Partes relevantes do Supremo e do Legislativo se
reorganizaram para enfrentar o que consideram ser uma ação política, por parte
da Lava Jato, que estava levando (na visão desses atores) ao “emparedamento”
dessas instituições, controladas desde fora pela campanha anticorrupção. É
muito relevante o fato de o Legislativo ter chamado a si a tarefa de coibir a
atividade dos investigadores, por meio do PL do Abuso de Autoridade, e o STF
está sentado no material com que pretende (as conversas hackeadas) encurralar
seus críticos entre os aguerridos procuradores.
Bolsonaro tem de sancionar ou vetar itens da lei do abuso de
autoridade, descrita pela Lava Jato como uma reação das “forças das trevas” que
querem escapar incólumes de investigações. Lei que, de outro lado, é
caracterizada por nutrido grupo de políticos e juristas como necessária “freada
de arrumação” para recompor um mínimo de respeito à norma jurídica ao se
combater crimes. A situação coloca o presidente como árbitro de assunto que o
interessa diretamente do ponto de vista pessoal (ele acusa a Receita e o Coaf,
por exemplo, de abuso), mas também dono de uma poderosa ferramenta política
para enfraquecer a única sombra no momento sobre a própria popularidade, a do
ex-juiz Sérgio Moro, herói da Lava Jato.
É uma situação de precário e perigoso equilíbrio. Os órgãos
de Estado de fiscalização e investigação acham que a lei do abuso contraria o
combate ao crime organizado, que depende da troca de informações sigilosas
protegidas por lei ou que só podem ser acessadas por ordem judicial (que
procuradores se esmeraram em driblar). Legislativo e parte do STF acham que os
instrumentos para combater ilícitos são suficientes, e o resto é abuso.
Neste exato momento Bolsonaro está conseguindo simpatias do
Legislativo e da classe política, da qual depende para a aprovação de qualquer
legislação relevante, sem que o público o perceba ainda como uma figura da qual
a Lava Jato já está exigindo postura decisiva em seu sentido. Moro já formulou
quais vetos gostaria que o presidente exercesse ao apreciar a lei do abuso de
autoridade, ou seja, o prestígio do ministro da Justiça está em jogo. Bolsonaro
não tem como agradar a todos.
Está criado um interessante paradoxo na política brasileira:
eleito em boa parte como efeito da Lava Jato, Bolsonaro se sente hoje tão mais
forte quanto menos dentes afiados ela tiver.”
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