“Aviões que vão cair
Por Pedro Fernando Nery
Temos uma contradição no governo: os argumentos pela reforma
da Previdência contrastam com os sinais da política ambiental. A ênfase nas
próximas gerações na condução da política econômica, em particular a fiscal, é
deixada de lado na questão ambiental. “Filhos e netos” apareceram
recorrentemente nas falas do ministro Paulo Guedes, corretas na defesa da uma
reforma da Previdência. São esquecidos nos discursos oficiais sobre meio
ambiente.
“Vocês vão derrotar seus filhos e netos”, urgiu Guedes sobre
a reforma. A resistência a ela foi comparada a saltar de paraquedas de um avião
sem combustível, mas deixando os jovens no avião que vai cair no oceano. Frequentemente,
falou-se em libertação dessas gerações: vez de uma armadilha, vez de uma
maldição. “Estamos ao lado das gerações futuras. Quem votar contra está contra
elas e a favor do colapso”. Nosso egoísmo e incapacidade de fazer sacrifício
condenariam nossos filhos e netos.
O discurso para o endividamento público vale para o meio
ambiente, mas não tem sido assim no atual governo. É preciso ressaltar que é
falaciosa a dicotomia entre crescimento econômico e preservação. Contrariamente
ao senso comum, a teoria econômica não prescreve a degradação ambiental em
benefício do PIB, precisamente porque mais destruição hoje pode ser menos PIB
amanhã.
O americano Tyler Cowen, em um dos melhores livros de
economia dos últimos anos, nos impele a ter como objetivo a maximização da taxa
de crescimento de longo prazo: “Devemos proteger o meio ambiente o suficiente
para preservar e na verdade ampliar o crescimento econômico no futuro mais
distante”.
Não é incompatível tratar de meio ambiente na análise
econômica, porque esta não é centrada apenas no presente. De fato, cursos de
macroeconomia de mestrado e doutorado se dedicam a estudar o chamado “modelo de
gerações sobrepostas” e a alocação de recursos entre gerações. O Prêmio Nobel
de 2018 foi dado a dois estudiosos do crescimento econômico, Paul Romer e
William Nordhaus – este por sua pesquisa na área ambiental. Foi expressamente
um Nobel pelo crescimento “sustentado e sustentável”.
Especificamente para a situação do Brasil, na coluna de
Fernando Dantas Meio ambiente é capitalismo, os gigantes Sandra Rios e Claudio
Frischtak já mostraram como a economia pode sofrer, das negociações comerciais
aos investimentos estrangeiros em infraestrutura. Já o FMI calcula que a
economia brasileira é uma das que mais sofrerão com a mudança climática,
ficando atrás apenas das de Índia, Sudeste Asiático e África Ocidental
(enquanto Canadá, Rússia e escandinavos se beneficiariam).
O paradoxo do apreço pelas gerações futuras na questão da
dívida e seu menosprezo na retórica ambiental surge com sinal trocado na
oposição. Uns negam a mudança climática, outros negam o déficit da Previdência.
Cada um dos extremos obscurantistas tem um negacionismo para chamar de seu. Só
que ambas as agendas deveriam ser orientadas pelo mesmo princípio da precaução.
De fato, reforma da Previdência e política ambiental
enfrentam dificuldades políticas bem descritas pela “lógica da ação coletiva”:
seus benefícios são difusos e suas perdas são concentradas. Perdedores se
organizam para bloquear mudanças, beneficiados não fazem lobby. Em ambas as
questões, os maiores beneficiados vão estar no futuro. Não têm como competir na
arena política do presente.
Como contornar essa lógica? Qual a solução para as gerações
mais jovens? O filósofo William MacAskill, de Oxford, sugere em artigo recente
que o peso do voto de cada eleitor seja inversamente proporcional à sua idade:
quanto mais jovem o cidadão, por mais tempo sofrerá o impacto por escolhas
curtoprazistas como as que elevam a dívida ou a temperatura do planeta. No
Brasil, o professor Marcelo Neri defendera que mães possam votar por suas
crianças.
Outra saída poderia ser via Judiciário. Em tese, os direitos
difusos da população são representados pelo Ministério Público. Mas se o órgão
faz um belo trabalho na área ambiental, é autorreferenciado e corporativista na
questão fiscal. A leitura seletiva da Constituição ignora o princípio do
equilíbrio atuarial na Previdência e a regra de ouro, que impede o
endividamento da geração atual sem legado para as gerações futuras.
A inspiração pode vir dos Estados Unidos, em que pais e
organizações da sociedade civil apoiaram o barulhento processo Juliana v.
United States. Na ação, menores de idade buscam na Justiça a garantia de seus
direitos, ameaçados pela geração atual via mudança climática. Quantos aviões
sem combustível estamos lançando sobre o oceano?”
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