“O baronato das
castas que a Nação sustenta
POR JOSÉ
NÊUMANNE
Quando o
presidente da Constituinte, da Câmara e do partido no governo, o então PMDB e
hoje MDB, Ulysses Guimarães, batizou a Constituição de “cidadã”, o velho
timoneiro não se referia à cidadania em geral. Mas a brasileiros de primeira
classe, detentores de privilégios no Estado estroina dos marajás. Desde sua
promulgação pelo Congresso, que não fora eleito para produzir uma Carta Magna
na qual todos os brasileiros fossem iguais perante a lei, o documento,
aguardado à época da ditadura militar como se pudesse vir a ser a panaceia
universal dos problemas nacionais, dividiu a Nação em duas bandas. De um lado,
os que podem tudo e, do outro, os que sobrevivem do que podem, quase sempre
pouco, muitas vezes nada.
Esta realidade,
paradisíaca para os mandatários dos Poderes Executivo e Legislativo e os
potentados apadrinhados do Judiciário, vem ao longo do tempo restaurando a
escravidão, desta vez multirracial. Nela o Brasil real sustenta o outro, um país
oficial insensível, corrupto e impune, à custa de sangue, suor e lágrimas. Tudo
isso acaba de ser revelado numa crua e muito corajosa iniciativa do jornalismo
brasileiro: a série 'Eleições 2018. Os donos do Congresso', do
Estadão/Broadcast, iniciada com a reportagem intitulada na manchete de primeira
página deste jornal de domingo 22 de julho de 2018: 'Servidores têm maior e
mais poderosa bancada na Câmara'. Essa casta, e não a massa dos funcionários
antigamente chamados de “barnabés” e que pertencem à banda espoliada, acaba de
enterrar as votações das reformas propostas pelo governo, em particular a da
Previdência, e de patrocinar o assalto de R$ 100 bilhões das pautas-bomba no
Congresso.
Segundo
reportaram Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli, da sucursal de Brasília, “a
bancada do funcionalismo público na Câmara age sem alarde, mas é considerada
atualmente o lobby mais poderoso do País”. Seu poder é inusitado: “Dos 513
deputados, 132 são servidores – um em cada quatro”. E não servem: servem-se!
Já na primeira
página o leitor deste jornal foi informado de que esse lobby voraz e implacável
está longe de obedecer a qualquer proporcionalidade da sociedade como um todo:
ele “representa 11,5 milhões de pessoas, ou 5,5% da população”, revela a
reportagem. E, em nome do amplo espectro ideológico da política, “do PT ao
PSDB, passando por PSOL e DEM”, dinamitou, além da reforma da Previdência, as
tentativas de salvar as contas públicas de sua sanha com a reestruturação das
carreiras, que limitaria o salário inicial da maioria das corporações que o
mantêm. Une políticos e burocratas suspeitos de grossa corrupção e juízes que a
combatem, mas não abrem mão de auxílio-moradia e outros absurdos.
Ninguém tem
peito para enfrentá-lo. Um exemplo claro disso percorre o noticiário político
desde sempre e particularmente nestes dias em que se disputam eleições gerais,
principalmente a que levará ao trono presidencial o novo ungido do povo e é
vendida como a solução final do voto legítimo.
Assim como a
esdrúxula, enxundiosa e monstruosa Constituição de 1988, que consagrou a nova
nobreza, espera-se que dela surja alguém que evite a dilapidação do erário com
uma varinha de condão que elimine a necessidade urgente de rolar até a
eternidade uma dívida que se torna impagável. Há uma miríade de pretendentes ao
cargo de mago da Corte. Mas nenhum deles ergueu um dedo para recriminar os
agentes dessa enfermidade institucional de gravidade mortal que aumentou as
despesas do Orçamento sem apontar a fórmula mágica para pagá-las.
Lula, favorito
nas pesquisas, está preso e é inelegível, mas nenhum “supremo” magistrado do
império do faz de conta bate o martelo para pôr fim à farsa de sua pretensão.
Bolsonaro, o deus ex-machina dos nostálgicos da ditadura militar, faltou às
sessões da derrama fiscal alegando que tinha mais o que fazer em palanques.
O tucano
Alckmin mandou às favas não apenas os escrúpulos, como dizia o coronel
Passarinho, corneteiro da fanfarra armada, mas o discurso com que seu partido
disputou a última eleição presidencial, fingindo combater a corrupção enquanto
se lambuzava no melado jogado pelos adversários aos cães. Em troca de pratos de
lentilhas, a serem servidos no horário nada gratuito no rádio e na TV, trocou
alianças com condenados do mensalão, Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson, e
suspeitos do petrolão, Kassab, Paulinho da Força e o time de Temer, presidente
mais impopular da História. É o mal lavado compartilhando o cocho dos sujos.
Entre os expulsos
da comilança, Marina esgueira-se nas sombras, pretendendo ser lembrada assim
que for esquecida. Meirelles, favorito de Lula do PT e queridinho do mercado,
parece disputar votos na Tailândia, escondido numa caverna. E Ciro, o coronel
de Pindamonhangaba e do Ceará, investe contra o “baronato”, insulto a que os
verdadeiros barões do Estado podre apelam para confundir e, com isso, assumir o
que ainda restar de migalhas do queijo em decomposição.
O deputado
Rogério Rosso (PSD-DF), dos poucos porta-vozes assumidos da bancada dos
mandarins de estatais e autarquias, disse que “talvez o governo a tenha
subestimado”. Temer, que, aliás, é funcionário público e, nessa condição, goza
das benesses da aposentadoria de luxo paga pelos pobretões e desempregados, entre
outras vítimas, inventou uma intervenção militar na segurança do Rio apenas
para não herdar o ônus desse desengano.
Nada podemos
fazer nós outros, que pagamos as contas dos furtos da Petrobrás, da merenda
escolar e da máfia dos vampiros e o mico de não escaparmos de ver o maganão
petista José Dirceu, torso nu ao sol, sem algemas nem tornozeleiras, numa praia
baiana, mercê de ex-serviçal que ainda lhe serve na cúpula da Justiça (?).
Dormimos indignados e acordamos omissos, definiu, sem felicidade nenhuma, o
político Eduardo Jorge. E o que mais?”
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AGD
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