“A reforma que
contém todas as outras
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
Em matéria de
reforma de instituições a ordem dos fatores determina o resultado. O erro
fundamental dos críticos do desastre brasileiro está em não discernir o que é
causa do que é consequência do desvio essencial que produz e reproduz as
instituições tortas que temos. Primeiro que esse “tortas” depende de quem olha.
Para a “1.ª classe” elas estão funcionando exatamente como foram desenhadas
para funcionar, menos pelo exagero do seu “acerto”. Mas da “2.ª classe” para
baixo, perdem-se todos em desenhar, cada um segundo a sua área de
especialização ou a ordem de prioridades com que elas afetam a sua atividade,
listas de reformas tão extensas que no final todos, mesmo os mais convictos da
necessidade de cada uma delas individualmente, recuam de forçar o
desencadeamento da mudança porque o País é um avião em voo, a vida é uma só e o
risco de fazê-lo parar no ar é sempre maior que o de continuar voando mal.
É isso, mais
que tudo, que tem garantido a continuação do que está aí.
Instituições
servem a quem as desenha e detém o poder de instituí-las. E é isso,
essencialmente, que está errado e precisa mudar no caso brasileiro. Se é o povo
que queremos servido, é ao povo que devemos entregar a tarefa de desenhar e
redesenhar; instituir e desinstituir as nossas instituições. O que nos faz
falta é conquistar os meios de errar e aprender com nossos próprios erros, em
vez de seguirmos tangidos pelos erros alheios para encalacradas “petrificadas”
no tempo e no espaço ou, definindo mais precisamente o que ocorre aqui, sendo
obrigados a tragar eternamente os acertos dos bandidos para viverem à nossa
custa enquanto nos mantêm impotentes para fazermos nossas próprias escolhas.
A única
instituição definitiva deve ser a que estabelece o modo de promover e legitimar
mudanças. Tudo mais deve ser desenhado para facilitá-las, mesmo porque toda
“solução” é só o início do próximo problema e é de fundamental importância ter
essa transitoriedade em mente, pois o que determina a sobrevivência na arena da
competição planetária, hoje como sempre, é a velocidade de adaptação à mudança.
Nunca foi fácil
promover mudanças coordenadas e pacíficas. Na era da comunicação total,
ironicamente, ficou ainda mais difícil. Estamos na idade do ouro do rancor. O
ódio é o novo ópio do povo. O Google transforma os mais insignificantes
deslizes do comportamento humano em manadas de dinossauros galopando
desenfreadamente pela rede para todo o sempre, direcionados com a persistência
dos algoritmos e a precisão do “microtargeting” para pisotear o nervo mais
sensível de todos os que, no passado, no presente ou no futuro, manifestarem o
menor sinal de sensibilidade a eles. Este viver sem o esquecimento cria tribos
que as “polícias do pensamento” atiçam umas contra as outras, o que desperdiça
toda a energia da cidadania em aprisionar em modelos institucionalizados
comportamentos que, por definição, só podem ser realmente livres no espaço
infrainstitucional. E isso desvia o foco da coletividade da única condição que
nos une a todos, que é a de súditos semiescravos da “1.ª classe”.
Nunca houve
acordo com relação a um destino final de chegada para toda a humanidade e,
desde sempre, “autoritário” é quem tenta impor o seu e “totalitário” quem
criminaliza o destino escolhido pelo outro, seja um governo, uma ferramenta
privada ou os dois juntos o instrumento dessa imposição. É perfeitamente
possível, no entanto, alcançar um denominador comum em torno de um “manual de
navegação” das águas agitadas da diferença. A democracia moderna nasce exatamente
da aceitação madura e tranquila da ausência de certezas. E a genialidade do
sistema está em criar um arranjo de instituições absolutamente estáveis e
seguras para dar a cada um a condição de processar do seu jeito a instabilidade
e a insegurança inerentes ao estar vivo sendo parte de numa sociedade. Nele a
única instituição “imexível” é a que define quem, exatamente, representa quem
no panorama institucional, e os mecanismos de processamento das mudanças que
podem e devem ocorrer em todas as demais ao sabor da necessidade. Como toda
forma de governo, a “democracia representativa” também é uma hierarquia. E que
os representados mandam nos representantes é uma noção inerente ao conceito de
“representação”. A fórmula que permite operar essa hierarquia para a mudança
com agilidade, segurança e legitimidade é a inventada pelos suíços há mais de
700 anos que metade do mundo copiou nos últimos 100: eleições distritais puras
(federalismo) com retomada de mandatos (recall) e referendo de leis dos
Legislativos por iniciativa dos representados a qualquer momento.
Todo o resto
com isso se constrói.
O cidadão deve
ser o imperador absoluto da sua área de residência. A menor instância eleita de
representação deve ser o conselho de direção da escola pública do bairro,
constituído por pais de alunos moradores dele encarregados de gerir o dinheiro
dos impostos que pagam para a educação de seus filhos. Ele deve contratar o
diretor e cobrar-lhe desempenho. Um certo conjunto de bairros formará um
distrito municipal que elegerá o seu representante para fazer as leis da sua
cidade. Uma constelação de distritos municipais constituirá um distrito
estadual e destes se farão os distritos federais. Todos os eleitos devem ser
demissíveis a qualquer momento e suas leis, revogáveis por votações de retomada
de mandatos ou referendos convocados nos seus distritos.
Com todo mundo
sabendo exatamente quem é quem, então sim, cada um segundo a sua necessidade,
consultados os demais eleitores do distrito, ordenará ao seu representante que
escreva e reescreva leis para ter ou não “escolas com partido”, funcionários
estáveis ou não e mais ou menos bem pagos, impostos mais leves ou não, e para
quê, juízes com mais ou menos poder de arbítrio, o crime tratado assim ou
assado, Constituições mais ou menos “petrificadas”, pessoas com mais, com menos
ou com nenhuns “direitos adquiridos”.
Acaba o papo
furado e a verdade passa a imperar.
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AGD
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