“Essa crise
econômica eterna é ecológica
POR FERNÃO
LARA MESQUITA
O Brasil não
se desinteressou da política propriamente. A política é que se desinteressou do
Brasil. Não precisa mais dele. Ainda faz um pouquinho de cerimônia, mas é mais
pra disfarçar.
O debate
ideológico acabou, aliás, no mundo inteiro. Ninguém mais precisa ser convencido
de nada. Não há mais sistemas concorrentes. Nem Kim Jong-un nem o Castro que
resta acreditam “na revolução”. A diferença que subsiste diz respeito tão
somente a quem tem o direito de se apropriar de que parcela do resultado, e por
quais critérios: o da força ou o do esforço. E onde o Estado gasta mais de 100%
do que arrecada com “pagamento de pessoal” e não investe um tostão furado no
que interessa à coletividade deixa de haver qualquer dúvida sobre qual a
escolha feita.
Só o que há aqui
é um jogo de força entre fanções pelo comando do butim. A “privilegiatura” nos
impõe sua rapina na porrada falsificando cada vez mais ostensivamente os
processos de “legitimação” da sua brutalidade. Desmancha nos tribunais o que os
representantes eleitos do povo eventualmente decidem a favor do povo. Fecha
cada vez mais a porta da mudança com o “financiamento público” de campanhas e
com as regras de tempo de comunicação entre candidatos e eleitores na
televisão. E ao impor, agora, a proibição (!!) da produção de provas materiais
contra a falsificação do voto assume-se oficialmente como o que quer vir a ser.
Houve uma
aposta forte o suficiente para deter a marcha à ré e colocar o País andando
para a frente na altura da instalação do governo Temer apenas porque, apesar de
todos os pesares, ele assumiu com o tipo de discurso consequente que precede
obrigatoriamente as ações consequentes. Ninguém tinha ilusões sobre a
dificuldade de transformar aquelas palavras em atos, mas o preço é função da
escassez e nem esse tanto pouco nós jamais tínhamos tido. O mercado reagiu mais
por saudade que por esperança...
Atingido
abaixo da linha d’água por intenso canhoneio por ter ousado tanto – e tão
somente por ter ousado tanto – o governo Temer teve o discurso da reforma de
que até então não se ousava dizer o nome enfiado goela abaixo de volta com
todas as suas escamas e espinhos apontados na direção de machucar. Cada vez que
tentou ressuscitá-lo o bombardeio recrudesceu na forma de dossiês vazados para
uma imprensa fácil diretamente pelas corporações que se apossaram do Estado
para construir uma “privilegiatura”. Uns apontam o herege e fornecem a lenha,
os outros encenam os autos de fé. Como todo mundo se elegeu do jeito que a lei
mandava, quem ataca a “privilegiatura” tem os contatos de mucosas com os
financiadores de campanha que todos tiveram escancarados com escândalo na
televisão, tão certo quanto que o sol vai nascer amanhã. Para qualquer grau de
obscenidades outras há recurso ... e disposição para o silêncio. A aposta é,
portanto, em Darwin. Sobrevivência dos mais adaptados. A lei só se impõe pela
certeza do castigo e o País está sendo ensinado a duras penas que a do crime é
a única que não falha.
Esgotado o
discurso das reformas o governo Temer – como qualquer outro presidindo o
colapso de uma nação esgotada por um sistema de privilégios – não tem mais nada
a dizer. Tenta resistir vendendo a memória das “conquistas” que decorreram da
antecipação pelo mercado de uma até então impensável reforma da previdência
pública escondida no bojo de um mero ajuste da outra, mas é tarde. Paga – e nós
junto – pela covardia de não ter enfrentado o leão de frente. A condição
descamba para o desespero, porém, a cada centímetro que o discurso dos
candidatos a substituí-lo se afasta da reforma da previdência pública. E não há
exceções. Quem não é assumidamente covarde é omisso.
Excluída a
discussão da cura possível, tudo o que subsiste é a destilação de bílis dos que
se dispõem a isso, discurso que uma parcela do eleitorado compra ao menos como
vingança. E então cai-se no pior dos mundos. Não há reserva de moeda forte que
aguente...
A economia é
só uma medida do Estado de sanidade do ecossistema institucional onde uma
sociedade vive e tenta progredir. E o nosso entorta a partir da raiz. Nossa
eterna crise econômica é efeito, não é causa.
Todo sistema
de governo é uma hierarquia. Estabelece quem manda em quem. Democracia é a
forma de governo em que os representados mandam nos representantes e aqui o que
acontece é o contrário. A essência da tapeação que nos impingem é que,
desamarrado o representante dos seus representados, todos os outros mecanismos
macaqueados de sistemas democráticos para proteger os representados protegendo
os seus representantes passam a jogar para inverter essa relação. Ficam eles
armados para jogar só para si e contra nós e invocar as “instituições
democráticas” para defender a sua moeda falsa.
Desentortar o
Brasil é, portanto, muito mais simples do que parece. Basta amarrar firmemente
cada representante eleito à parcela exata do eleitorado que ele representa, e
dar a esses eleitores poder de vida ou morte sobre o mandato dele antes e,
principalmente, depois da eleição. Isso se consegue com eleições distritais
puras, direito de retomada de mandatos e referendo de leis pervertidas por
iniciativa popular a qualquer momento. Armados assim os representados, ficam os
representantes permanentemente sob mira e impotentes para nos meter em caminhos
sem volta. E isso abre o País à reforma permanente que é a condição natural de
qualquer organismo vivo com pretensões a manter-se vivo num ambiente em
permanente mudança.
O resto
acontece sozinho. Todo mundo acaba indo em direção à felicidade se lhe for dado
escolher em que direção quer andar.
Quanto a como
instalar esse processo, também é simples. Encham-se de povo as principais
praças públicas das principais cidades do País com metade dos manifestantes
segurando o mesmo cartaz duas ou três vezes ao longo de um ano e a coisa
acontece. Exatamente do mesmo jeito que conquistamos a nossa última façanha
“impossível”.”
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AGD
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