“Calote no
BNDES
Por Rubens
Barbosa
A política de
generosidade que os governos lulopetistas implementaram no Brasil de 2003 a
2016, regada a corrupção, beneficiou empresas nacionais amigas do governo do PT
e financiadoras de muitos políticos. E, no exterior, governos autoritários de
países ideologicamente afinados. A conta dessa farra com os recursos públicos,
em grande parte advinda de fundo de assistência ao trabalhador, está sendo
apresentada agora, com os sucessivos calotes sofridos pelo BNDES, obrigando o
Tesouro a ressarcir o banco e honrar as garantias oferecidas aos empréstimos.
Estranhamente,
em 2012 o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio assinou
decreto impondo sigilo até 2027 sobre os empréstimos do BNDES, por
coincidência, logo após a entrada em vigência da Lei de Acesso à Informação.
Com renovadas suspeitas de corrupção cercando os empréstimos internos e
externos do banco, em 2015 o Congresso aprovou decreto legislativo que
suspendeu o sigilo, vetado de imediato pela presidente Dilma Rousseff. Só em
julho desse ano um juiz federal, atendendo a pedido do Ministério Público,
suspendeu o decreto de 2012.
Levantada a
barreira legal, o Tribunal de Contas da União (TCU) examinou 140 contratos de
financiamento negociados com o BNDES para exportação de serviços, na quase
totalidade obras de infraestrutura no exterior, sobretudo em países
latino-americanos e africanos. Os 140 contratos analisados pelo TCU
representavam financiamento de cerca de R$ 50 bilhões, dos quais 87% (R$ 44
bilhões) foram concedidos a cinco países: Angola (R$ 14 bi), Venezuela (R$ 11
bi), República Dominicana (R$ 8 bi), Argentina (R$ 8 bi) e Cuba (R$ 3 bi).
Cinco empreiteiras, todas envolvidas na Lava Jato, receberam a quase totalidade
(97% dos empréstimos: Odebrecht (R$ 36 bi), Andrade Gutierrez (R$ 8 bi),
Queiroz Galvão (R$ 2 bi), Camargo Corrêa (R$ 2bi) e OAS (R$ 1 bi). Os riscos de
inadimplência ficaram com o governo brasileiro.
Embora os
financiamentos se destinassem só aos itens exportados, o BNDES deixou de levar
em conta a questão dos preços, alegando “dificuldade em certificar a
compatibilidade dos projetos com os parâmetros e custos internacionais
praticados nos países importadores”. A liberdade de fixar os preços ficou com
as empresas brasileiras. Imagino que o BNDES tenha fiscalizado a real
exportação dos equipamentos e produtos nacionais, mas não me recordo de essa
informação ter sido divulgada e comprovada pelas estatísticas de comércio
exterior com os países beneficiários. O TCU considerou ilegal desconto de US$
68,4 milhões dado a Cuba, nos governos petistas, pelo BNDES para a construção
do porto de Mariel, em decorrência da extensão por 300 meses da rebaixa de
juros, quando para um país estrangeiro, dentro da lei, o período é de apenas
120 meses.
Lula e Dilma
renegociaram US$ 1,036 bilhão de dívidas, na quase totalidade, de países
africanos. Desse volume, US$ 717 milhões foram perdoados (69,2%) do volume
total das operações financeiras. Nos oito anos de governo Lula, foram perdoados
US$ 436,7 milhões em dívidas de quatro países: Moçambique (US$ 315,1 milhões),
Nigéria (US$ 84,7 milhões) Cabo Verde (US$ 1,2 milhão) e Suriname (US$ 35
milhões). No governo Dilma, US$ 280,3 milhões.
Recentemente,
os principais devedores, sem capacidade de pagar os empréstimos, começaram a
suspender os pagamentos. Em setembro de 2017 a Venezuela deixou de honrar US$
262 milhões e Moçambique, US$ 22,5 milhões. O que era esperado aconteceu. O
governo, que garantiu os empréstimos pelo Fundo de Garantia à Exportação, teve
de pedir ao Congresso um remanejamento de R$ 1,16 bilhão no Orçamento federal
para cobrir esses calotes.
As
consequências na área política dessa orgia de empréstimos extravasaram nosso
território e levaram líderes políticos da região a ser processados, alguns
sendo mesmo presos. Somente com as apurações das propinas da Odebrecht foram
investigados presidentes de Colômbia, Peru, Equador e Venezuela. Suspeitas
existem em relação a governantes de Argentina, Guatemala, República Dominicana,
Panamá, México e Chile. Para ficar apenas na América Latina. Se fôssemos
incluir países africanos, a lista seguramente aumentaria.
Em paralelo, a
política de “campeões nacionais”, executada pelo BNDES, ajudou na
internacionalização de algumas empresas nacionais, mas também deixou um rastro
de questões mal explicadas e suspeitas. Recente trabalho publicado pela revista
Época trata do caso “escandaloso da JBS”. Mensagens da cúpula do BNDES,
reveladas na matéria, a partir de investigações da Polícia Federal, lançam
suspeitas sobre aportes milionários a grandes empresas. Segundo o TCU, houve
uma série de irregularidades nos aportes feitos à JBS. Os auditores
contabilizaram ao menos R$ 400 milhões em prejuízo dos cofres públicos por
esses negócios. Em 2008 o BNDES, via BNDESPar, emprestou R$ 1 bilhão à JBS para
a compra de duas companhias americanas, a National Beef e a Smithfield. Nas
investigações da Polícia Federal, a troca de informações entre funcionários
graduados do banco revela indícios de suspeita de favorecimento não apenas à
JBS, mas também em empréstimos à Odebrecht e à Bertin.
Mesmo se
critérios técnicos de exame desses empréstimos tenham sido seguidos, como
repete o BNDES, houve, no mínimo, aceitação de pressão externa e política para
a concessão desses empréstimos a países cuja saúde financeira era conhecidamente
duvidosa.
Está faltando
uma comissão da verdade para apurar, com isenção e objetividade, a maneira como
todos esses empréstimos foram autorizados pela direção do banco e se as
condições incluídas nas cláusulas contratuais das empresas brasileiras foram
cumpridas pelos beneficiados com recursos dos trabalhadores.”
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