Marco Zero - Recife |
Por José Antonio Taveira Belo
Encontro Juvenal após um longo
período. Caminhava pela Avenida Guararapes. Apoiado em uma bengala caminhava
devagarzinho desviando do ruge-ruge das pessoas que transitavam pela calçada
mal conservada. Ia para o Recife antigo. O sol a pino e com aquele passo
somente lá pelo meio dia chegaria ao destino. Paramos em frente à Igreja de
Santo Antonio na Pracinha do Diário. Ali tomou fôlego, afrouxou o colarinho da
camisa branca e tirou o chapéu e com um lenço creme enxugou o suor. Entrou na
igreja e em pé fez uma pequena oração e saiu.
Queres me acompanhar? Convidou.
Vês que vais levar tempo e ter paciência de acompanhar um deficiente, disse.
O tempo para mim não importava e
com aquele convite convidativo, pus-me a andar o acompanhando em passos lentos.
Atravessamos a Avenida Mariz de Barros e tomamos a ponte Mauricio de Nassau em
direção ao Recife antigo. O vento morno soava em nosso rosto já envelhecido.
Uma barca no meio do rio, com o pescador equilibrando-se sob o balanço das
águas, lançava uma rede em busca de siris. Paramos junto à escultura do poeta
Joaquim Cardoso para observar aquele cenário. Continuamos a caminhar. O Juvenal
apontou para o Edifício Chantecller ainda em reforma. Disse, quantas vezes nós
estivemos ali? Muitas vezes! Subíamos as escadas em caracol com algumas “meninas”
descendo ou subindo para o primeiro e segundo andar. A musica em radiolas de
fichas tocava musicas sentimental e ali muitas das vezes sentávamos servindo-se
uma dose de Rom Montilla ou uma cerveja bem geladinha, observando as meninas
sentadas de pernas cruzadas dando aquele “lance” e nós ficávamos de
boquiaberta. Os mais espertos e que tinha “gaita” convidava alguma delas para sentar-se
a mesa e ensaiavam alguns passos no piso de madeira corrida. Que tempo bom! Relembrava
enquanto ajeitava o óculo escuro no rosto suado. Parando e olhando para o alto,
o céu azul e sol vivo sufocavam a nossa voz. Vivenciar isto aqui é reviver um
passado que somente é lembrado pelos nossos pensamentos. As noitadas passeando
por aqui, com as “meninas” postas nas calçadas se oferecendo com os seus
vestidos e suas maquiagem escandalosas, passeando ou em pé nas portas dos bares
com os seus sorrisos convidativos nas ruas Vigário Tenório, Madre Deus, Mariz
de Barros, Rio Branco, Marques de Olinda, Bom Jesus, Apolo, Alfredo Lisboa e a
terrível Rua da Guia, quase ninguém seguia por esta rua, pois, se dizia que até
pelo vento pegava uma doença venérea.
Chegamos finalmente, na Avenida
Marques de Olinda, passando por onde era o Restaurante Gambrinus e o Bar
Astoria, todos desativados e que naquele tempo era ponto frequentado pelos
boêmios e notívagos. Caminhávamos devagarzinho. O vento vindo cais já trazia
certo conforto atenuando o calor sufocante. Como as coisas mudaram! Ninguém ou
quase ninguém desconfia que neste pedaço o ”pecado” aflorava. Hoje o que
existia aqui se espalhou por toda a cidade. Hoje já não existe cabaré onde os
homens procuram as “meninas” para lhe alegrar nem que seja por alguns minutos.
Tudo isto é passado. Chegamos finalmente, a praça do “Marco Zero”. Atravessemos
a rua e paramos no meio da praça em cima da “Rosa dos Ventos” e de lá
saboreando o cheiro da maresia em pleno sol do meio dia. Ali observamos e
contemplamos os obeliscos artista Francisco Brennand. Chegamos na amurada do
cais. Alguns botes fazia a travessia até os obelisco ia e voltava com alguns
turistas. Olhamos de um lado para o outro e encontrávamos um bar onde
antigamente era a Pensão de Maria Boa. Sentamos e pedimos uma cerveja
geladinha, para combater o calor que sentíamos. Sentado, como antigamente, em
uma mesa posta na calçada, uma bela morena de olhar sedutor fomos servido, ela,
colocando o precioso liquido em cada copo e se retirando com um rebolado
estonteante.
E Juvenal, disse quantas saudades
do meu tempo de juventude. Sorvemos um gole e começamos a lembrar daquele velho
tempo. E, tu como vais? Eu é que vou
levando a vida desta forma, escorado em um pedaço de madeira. Um AVC me pegou
de surpresa. E o resultado estas vendo. Mas vou vivendo! O que posso fazer?
Nada!
Juvenal morou em pensão na Rua
Barão de São Borja no final da década de 60 e ai demos a conhecer no Bar Santa
Cruz e posteriormente no Bar Savoy, onde todo o sábado pela manhã nos reunia.
Conheceu dona Terezinha, com a qual vive há quarenta anos, em uma noite de
sexta feira no Clube das Pás. Desse relacionamento nasceram duas moças e dois
rapazes, todos formados, advogados e um médico. Tô realizado, disse-me, olhando
para a bela morena que trazia a “saideira”. Pagamos a conta e saímos de volta
pelo mesmo caminho, já às quatro e meia da tarde. Chegamos a Avenida Guararapes
já com as luzes acessas. Despedimos-nos e saímos cada um para apanhar o
coletivo em seus devidos terminais.
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